Título: Reforma dará mais poder a prefeituras para analisar projetos
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 09/03/2005, Brasil, p. A4

O governo planeja fazer uma reforma nos critérios de licenciamento ambiental e pretende dar mais autonomia às prefeituras, desafogando o Ibama e principalmente os órgãos estaduais de meio ambiente. As mudanças têm ainda o objetivo de reduzir as brechas jurídicas que permitem retardar ou interromper, com a abertura de processos judiciais, a análise ambiental de empreendimentos econômicos. Projetos de pequeno e médio porte tendem a ser os mais beneficiados, segundo o Ministério do Meio Ambiente. A reforma deverá permitir que o Ibama e os órgãos estaduais se concentrem em grandes projetos. No ano passado, a autarquia do governo federal concedeu 222 licenças ambientais, um recorde, mas isso pouco serviu para diminuir o número de projetos que aguardam análise. Só no Rio Grande do Sul, por exemplo, 15 mil são avaliados todos os anos e as pilhas de processos nas prateleiras não param de crescer. A confusão é tanta que, por causa de ações deflagradas pelo Ministério Público, o Ibama chegou a ser obrigado no ano passado, por determinação da Justiça, a analisar estudos de impacto ambiental até de quiosques de praia que seriam instalados no litoral paulista. A decisão foi revertida e liberou os técnicos do Ibama para outros projetos, maiores, mas isso ilustra uma constatação do secretário-executivo do ministério, Cláudio Langone: cerca de 70% dos projetos submetidos à análise federal ou (principalmente) estadual poderiam ficar no âmbito dos municípios. Foto: Daniela Toviansky/Valor

Cláudio Langone: cerca de 70% dos projetos submetidos à análise federal ou estadual poderiam ficar no âmbito dos municípios

Uma das raízes do imbróglio está na ausência de definições claras. Hoje, a legislação prevê que municípios podem ficar responsáveis pela análise de projetos com "impacto local". Mas esse é um conceito difícil de definir. Em última instância, até o escapamento solto de um veículo pode ter impacto "regional" em vez de local, porque os carros circulam, aumentando as atribuições dos já saturados órgãos estaduais de meio ambiente. Até o fim do primeiro semestre, segundo Langone, o ministério quer enviar ao Congresso um projeto de regulamentação do artigo 23 da Constituição. Entre outros temas, esse artigo trata dos critérios utilizados para definir se um projeto deve ser submetido aos órgãos federais, estaduais ou municipais. Dois critérios são levados em consideração: a extensão do impacto ambiental e o que os ambientalistas chamam de "nominalidade" - ou seja, se empreendimentos econômicos que usam qualquer bem natural, como um rio, ficam apenas em uma cidade, cruzam várias regiões de um Estado ou mesmo mais de um Estado da federação. Pela proposta do governo, o princípio de "nominalidade" cairá, dificultando a abertura de processos judiciais e esclarecendo quais obras e projetos são de "impacto local". O secretário afirma que só mandará o projeto de regulamentação quando houver "no mínimo" 90% de consenso com Estados e municípios, mas diz que está próximo disso. Segundo ele, o deputado José Sarney Filho (PV-MA), autor de uma proposta de regulamentação do artigo 23 que tramita na Câmara, já garantiu que substituirá o seu texto pelo projeto do ministério. "Estamos muito otimistas", afirma. O aperfeiçoamento da legislação é parte, mas não tudo o que o governo quer fazer. No ano passado, foram criados comitês tripartites (União, Estados e municípios) em 24 unidades da federação. Langone diz que o ministério pretende convencer os órgãos estaduais a delegar mais atribuições às prefeituras. Apenas o Rio Grande do Sul tem um número razoável de municípios habilitados a fazer licenciamento ambiental. São cerca de 100 prefeituras no Estado que atendem aos requisitos de habilitação: leis ambientais próprias, estrutura adequada de funcionários e o a criação de um conselho municipal de meio ambiente. "Ainda assim, 70% das licenças concedidas pelo órgão estadual poderiam ser analisadas pelas prefeituras e o Estado acumula mais de 30 mil pedidos represados", observa Valtemir Goldmeier, consultor da Confederação Nacional de Municípios. "A demanda por licenciamento continua a aumentar, enquanto a capacidade dos órgãos estaduais está estabilizada ou até diminuindo", acrescenta Langone. Só o órgão paulista encarregado de fazer as análises concede 17 mil licenças por ano. Oficinas mecânicas mais robustas e empreendimentos do agronegócio, como suinoculturas de pequeno porte, podem perfeitamente ter as suas análises transferidas para prefeituras, diz Langone. Isso beneficiaria o caixa dos municípios, que passariam a recolher taxas hoje embolsadas pelo Estado, e os pequenos empresários - estima-se que, sem custos de deslocamento para os técnicos, o preço do licenciamento ficaria 30% mais baixo. O ministério assina hoje um convênio com os municípios, Petrobras e Caixa Econômica Federal para a capacitação de gestores ambientais nas prefeituras. Inicialmente, o programa atingirá municípios de oito Estados.