Título: Corporativismo marca debate de candidatos a procurador-geral
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 20/05/2009, Política, p. A8

Os cinco candidatos ao cargo de procurador-geral da República passaram, ontem, mais de três horas respondendo a demandas corporativas de integrantes do Ministério Público Federal. No debate organizado pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), os candidatos Blal Dalloul, Ela Wiecko, Eitel Santiago, Roberto Gurgel e Wagner Gonçalves responderam sobre auxílio-moradia, pagamento de diárias, jornada de trabalho e segurança pessoal. Mais de 90% das questões foram estritamente corporativas e envolviam a remuneração da categoria.

Os cinco candidatos vão participar da eleição de amanhã da ANPR. A entidade enviará uma lista com os três mais votados ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Nas três últimas sucessões do MPF coincidiu de Lula escolher o mais votado na lista da ANPR. Foram os procuradores Cláudio Fonteles, em 2003, e Antonio Fernando de Souza, em 2005 e 07. Eles assumiram para mandatos de dois anos. Em abril, Antonio Fernando anunciou que não pretendia concorrer a um terceiro mandato, o que permitiu a abertura de novas candidaturas. Formalmente, Lula não precisa sequer escolher um dos nomes da lista. Basta que o indicado tenha mais de 35 anos e seja procurador de carreira.

Os candidatos possuem perfis distintos. Gurgel e Gonçalves são próximos de Antonio Fernando e, portanto, favoritos ao cargo. Por ser o atual vice-procurador-geral, Gurgel tem ligeira preferência. Mas Gonçalves, que é presidente da Câmara Criminal do MPF, também é bem visto por Antonio Fernando e é um nome forte para sucedê-lo. Ela Wiecko concorre por fora do chamado núcleo duro do MPF. É uma candidata de oposição, mas que também procura compor o grupo no comando. Santiago é ligado a Geraldo Brindeiro, que comandou o MPF de 1995 a 2003 e cujos quatro mandatos foram marcados por sucessivos arquivamentos de denúncias contra autoridades do governo. O grupo de Brindeiro é forte no MPF, mas dificilmente Santiago será escolhido por Lula. Por fim, Dalloul representa uma candidatura de terceira via. Apesar de bastante experiente, Dalloul é procurador de 1ª instância no Mato Grosso do Sul e tem bom diálogo com a base do MPF.

Uma das principais polêmicas do debate foi o pagamento da Parcela Autônoma de Equivalência (PAE): um benefício que foi concedido aos juízes em 1997 e, no ano passado, foi estendido aos procuradores por força de decisão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). A estimativa é que o PAE do MPF custe pelo menos R$ 300 milhões aos cofres públicos. São R$ 4 bilhões apenas para o PAE da magistratura. A função do CNMP é verificar os eventuais desvios na categoria, mas o órgão também decide sobre benefícios e resolveu estender um pagamento à categoria que reclama os mais de três anos sem reajuste salarial. Os procuradores ganham mais de R$ 20 mil por mês.

"O PAE foi pago dentro da legalidade e queremos também a mãe porque somos servidores, temos família e precisamos ter tranquilidade", afirmou Santiago. "Eu recebi como bom barnabé e se tiver de devolver o farei em parcelas", completou. Ela Wiecko também defendeu o pagamento. "Naturalmente, se uns receberam outros também devem receber", disse. "Seria suicídio político se qualquer candidato falasse que o que foi pago foi ilegal", arrematou Gonçalves. Ele ressaltou que são necessários recursos suplementares para pagar o benefício e, portanto, não poderia dizer que será pago de imediato. Mas prometeu defender "os salários dos colegas e a remuneração". "Fiquem tranquilos", disse Gurgel aos procuradores. "Eu dedicarei toda a atenção às questões corporativas".

Dalloul disse que o PAE é um pagamento sem volta e prometeu organizar uma comissão para debater o pagamento de auxílio-moradia. "Eu não tenho condições financeiras de aceitar promoção para uma das capitais porque isso teria um efeito nefasto para a minha família."

O presidente da ANPR, Antonio Carlos Bigonha, falou que as questões corporativas surgiram com maior intensidade por se tratar de um debate interno da categoria. Ele enfatizou que Lula tem seguido a lista da entidade e acredita que a votação de amanhã dará um subsídio importante para a escolha do novo chefe do MPF. "O mais votado será o mais legitimado para o cargo."

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