Título: Mais confusão que soluções nas mudanças da poupança
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Fonte: Valor Econômico, 20/05/2009, Opinião, p. A12

Era absolutamente previsível que a estabilidade econômica forçaria a redução da taxa de juros muito abaixo daquela pela qual o país se acostumou a operar por décadas. Garantias estabelecidas na época da inflação desmedida e dos juros astronômicos terão de ser revistas - entre elas, o rendimento mínimo das cadernetas de poupança, fixo em 6% ao ano mais a variação da TR. Não se pode alegar que faltou tempo ao governo para que tomasse decisões que levassem gradativamente à acomodação dos rendimentos das aplicações financeiras à nova realidade. A solução tomada, de instituir o Imposto de Renda para contas da poupança acima de R$ 50 mil e acenar com redução temporária do IR nos fundos de investimento, tem sabor de improviso. Ela é provisória, de nível de complexidade operacional alto e ameaça desarrumar todo o financiamento habitacional apoiado nos recursos da caderneta. Os partidos de oposição, que deveriam apresentar alternativas à proposta ruim do governo, mostraram-se incompetentes e irresponsáveis, ao fazer um terrorismo da pior espécie sobre o significado das mudanças, que são necessárias. Esses partidos estão desprovidos de rumos e, o que é pior, de ideias.

É impossível derrubar os juros da economia a níveis civilizados sem acabar com a garantia de juros mínimos de 6% ao ano da caderneta. São várias as consequências de mantê-los. A política monetária do Banco Central perderá eficácia, porque encontrará um piso abaixo do qual a fixação da taxa Selic será inoperante ou indiferente. Além disso, quando a taxa de juros para os investidores se aproximar da existente para a poupança, haverá migração para ela, a partir dos fundos de investimentos. Com isso, a fonte cativa de colocação de títulos públicos que sustentam a dívida do governo acabará e o Tesouro terá dificuldade para encontrar tomadores - a menos que o BC volte a elevar desnecessariamente os juros.

Depois de alimentar animosidade crescente em relação ao BC, sempre pela redução dos juros, é inacreditável que a equipe econômica não tivesse pronta uma solução para o problema da poupança, que viria até antes, se o BC seguisse a recomendação de seus críticos - não importa se eles estavam certos ou não. O governo apresentou uma solução desestabilizadora.

As 894 mil contas acima de R$ 50 mil, que serão taxadas com IR, representam 40% do total depositado nas cadernetas e depósitos de R$ 110,5 bilhões (Valor, 14 de maio). Esta fatia relevante, que sustenta o financiamento do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), pode bater em retirada se concluir que o novo esquema não lhe convém. O pior é que para se chegar a essa conclusão é preciso ser um especialista, porque o governo estabeleceu que o ganho da poupança seja somado à renda do contribuinte na declaração do IR. A consequência é que contribuintes poderão pular de faixa e pagar mais IR por causa da poupança. E, entre os que têm caderneta acima de R$ 50 mil, quanto menor for a renda do contribuinte, maior será o aumento da carga tributária ("Folha de S. Paulo", 16 de maio).

Os inconvenientes vão mais longe. Como não se mexeu nos juros da poupança, o financiamento habitacional baseado nos recursos dela não cairá e continuará em torno de 12% ao ano mais TR. O crédito habitacional a partir de recursos livres poderá sair mais barato que isso, levando o velho sistema a perder espaço e o objetivo principal para o qual foi criado, a aplicação de 65% dos recursos em habitação, se frustrar.

Do lado dos investidores, há mais confusão. O governo se comprometeu a reduzir provisoriamente este ano a tributação dos fundos de investimentos, provavelmente para 15%. Como há tributação decrescente em relação ao tempo de aplicação, para estimular investimento de longo prazo, a mudança cogitada anularia esse efeito. Seria possível contorná-la por meio de mais regras, que considerassem um corte proporcional do IR em relação ao tempo da aplicação. O remendo do governo traz complexidades bizantinas. Como os poupadores não sabem como serão afetados, mas sabem que mais mudanças virão, cria-se instabilidade em um sistema de financiamento e aplicações onde antes havia regras claras e simples. O governo deveria atacar o problema de frente. Terá de fazê-lo de qualquer forma.