Título: É possível evitar a recessão no Brasil em 2009? :: André Nassif
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/05/2009, Opinião, p. A12

Desde março do corrente ano, projeções não-oficiais já indicavam crescimento nulo da economia brasileira para 2009. A mais recente projeção do FMI também apontou, pela primeira vez, variação negativa do PIB real brasileiro em 2009 (-1,3%). As projeções oficiais, no entanto, continuam otimistas: o Brasil poderá fechar o ano com crescimento de entre 1,2% (Banco Central do Brasil) e 2% (Ministério da Fazenda). Qual dessas projeções é a mais correta? Ainda que contrarie a lógica, todas poderão se revelar acertadas. A razão principal é que, por se basear em indicadores antecedentes, os resultados dependem basicamente das hipóteses relacionadas à abrangência, intensidade e efeitos das políticas anticíclicas em curso. No momento, existe maior clareza em que, devido aos fortes impactos financeiros e reais adversos emanados da crise global em curso, medidas de estímulo monetário e fiscal são condição necessária, mas não suficiente para evitar a recessão no Brasil. A condição suficiente é que tais estímulos sejam efetivados com a conveniente rapidez, intensidade e capacidade de produzir efeitos imediatos na demanda agregada.

No caso brasileiro, desde o agravamento da crise global a partir de meados de setembro de 2008, não apenas as medidas de estímulo monetário, mas também as de estímulo fiscal vinham se pautado pela lentidão e fragilidade. Com relação às respostas monetárias de combate à crise, já foi suficientemente criticado o longo tempo decorrido entre o agravamento da crise global e o início do ciclo de redução das taxas básicas de juros pelo Banco Central do Brasil, ocorrido apenas em janeiro de 2009. Daí até março, a Selic recuou apenas 2,5 pontos percentuais, mesmo com a produção industrial em queda desde novembro de 2008 e o PIB brasileiro tendo sofrido uma variação negativa de 3,6% no último trimestre de 2008 relativamente ao trimestre anterior. Era a prova que faltava para mostrar que a reação da política monetária brasileira como instrumento antirrecessivo foi muito pouco intensa. Só para dar uma ideia de comparação, entre outubro de 2008 e janeiro de 2009, a taxa básica de juros na Índia havia sido reduzida sucessivamente de 9% para 5,5%, um recuo de 3,5 pontos de percentagem num país que, no início do ciclo de redução dos juros, vinha enfrentando uma inflação anual de cerca de 9%

Diante das elevadas taxas de juros reais ainda vigentes no Brasil, diversos analistas têm defendido o uso da política monetária como principal instrumento anticíclico. Alguns vão além e chegam a não recomendar o uso da política fiscal, sugerindo que aumento de gastos governamentais só faria resgatar o descontrole da trajetória da dívida pública no longo prazo. Entretanto, essa tese não tem qualquer fundamento empírico. Com a melhora significativa do perfil da dívida líquida do setor público como proporção do PIB nos últimos anos, o mercado está suficientemente informado de que qualquer recuo na política de ajuste fiscal em curso até setembro do ano passado deverá ser uma estratégia temporária para evitar o aumento do desemprego no Brasil. Cabe enfatizar que, ante a perda generalizada de confiança e acentuada preferência por liquidez, os estímulos monetários per se dificilmente serão capazes de reativar o consumo e o investimento privados, pelo menos na magnitude necessária para evitar a recessão no Brasil.

Em 2008, foram os componentes domésticos os principais responsáveis pelo crescimento do PIB pelo lado da demanda agregada. Para o crescimento de 5,08% no PIB efetivo do ano passado, 2,41 pontos percentuais foram decorrentes do investimento bruto (47% do total) e 3,27 pontos percentuais do consumo das famílias (64% do total). Diante da acentuada retração observada em ambos os componentes no último trimestre de 2008 relativamente ao trimestre anterior (respectivamente, de -9,8% e -2%) e, sendo óbvio que as exportações continuarão sendo fortemente castigadas pela queda dos preços das commodities e pela brutal contração do comércio global, somente os investimentos públicos, ainda que não consigam compensar totalmente a queda daqueles componentes, serão capazes de reanimar, por meio dos conhecidos multiplicadores de renda e emprego, a atividade econômica agregada. É verdade que 2009 já é um ano "perdido" não só no Brasil como na maioria dos países, no sentido de que não será mais possível preservar a taxa de crescimento anual observada no ano anterior. Porém se a pergunta for sobre a possibilidade de irmos razoavelmente além do crescimento zero, a resposta é sim, dependendo da rapidez e intensidade das respostas que ainda precisam ser dadas - sem prejuízo dos estímulos monetários e ao crédito já em curso -, do lado da política fiscal.

É preciso reconhecer que as medidas de estímulo fiscal que haviam sido divulgadas até o final de fevereiro não teriam força suficiente para impedir a recessão econômica em 2009, porque, mesmo levando-se em conta os investimentos previstos pela Petrobrás (da ordem de 1,7%), os investimentos do governo federal, programados em 1,2% do PIB, só teriam um acréscimo de 0,2 pontos percentuais em relação a 2008. Apesar das críticas de alguns economistas e colunistas econômicos, foram corretas as decisões recentes de intensificar as medidas de estímulo fiscal, tais como a prorrogação da isenção de tributos indiretos na compra de automóveis e a inclusão de diversos bens duráveis na lista de renúncia fiscal, o pacote de investimentos em habitação e, principalmente, a redução da meta de superávit primário para o ano em curso. Esses estímulos adicionais poderão fornecer o combustível necessário para desviar a trajetória de crescimento da economia brasileira da rota do crescimento zero ou negativo em 2009. O problema é que, no caso dos investimentos públicos adicionais, seus efeitos delongam algum tempo para maturar. Por isso, para que o crescimento do PIB em 2009 contrarie as projeções do FMI e fique mais próximo da projeção oficial, é necessário que o pacote de investimentos públicos programados seja concretizado o mais rápido possível. Como diria o economista John Hicks, contemporâneo de Keynes e primeiro crítico da Teoria Geral do Emprego, o momento requer o uso da "teoria da grande depressão do sr. Keynes". Isso significa que a flexibilização da política monetária é importante no contexto atual, mas a ênfase deve recair na política fiscal.

André Nassif, doutor em Economia pela UFRJ, é economista do BNDES. As opiniões do artigo não refletem a posição oficial nem do governo brasileiro nem do BNDES. E-mail: andrenassif@bndes.gov.br