Título: Empresas garantem crédito a fornecedor
Autor: Travaglini , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 18/05/2009, Finanças, p. C1

Preocupadas com a falta de crédito para seus principais fornecedores, as grandes companhias brasileiras encontraram uma saída para evitar gargalos na sua produção: intermediar o relacionamento entre os bancos e as pequenas empresas.

Em alguns casos o acordo prevê o desconto das duplicatas de forma automática, com a garantia de pagamento oferecida pelas empresas de primeira linha. Em outros, há o repasse direto dos recursos bancários por meio da antecipação dos pagamentos dentro da cadeia produtiva.

Um bom exemplo é a Vale do Rio Doce, que acabou de fechar uma parceria com o Bradesco para que as pequenas e médias que prestam serviço à mineradora possam descontar de forma automática os recebíveis que possuem contra ela. A parceria faz parte do Inove, programa de estímulo à economia local lançado no fim do ano passado, que pretende destinar R$ 120 milhões a seus fornecedores somente neste ano e já contava com R$ 50 milhões do Banco do Brasil.

"Negociamos as taxas de juros diretamente com os bancos. Interfiro nessa decisão, afinal estou dando um mercado de quase seis mil empresas para a instituição. Qual banco não quer essa base de clientes?", questiona Daniel Saldanha, gerente geral de suprimentos da Vale, lembrando que não há desembolso da companhia.

Segundo ele, os prazos médios estão ao redor dos 30 dias e as taxas de juros são 30% menores do que as mais baixas praticadas no mercado. "O fornecedor tem um sistema automático para escolher o banco. Não tem análise de crédito, é risco Vale", afirma.

O programa da companhia não foi criado especificamente por conta da crise e tem como objetivo maior fomentar o desenvolvimento dos fornecedores locais. A parceria com o Banco do Brasil, que fornece linhas de até 24 meses para investimentos dentro da cadeia produtiva da mineradora, existe desde 2005.

Saldanha afirma, no entanto, que a demanda por recursos cresceu fortemente nos últimos meses. A linha do Banco do Brasil já destinou R$ 15 milhões nos primeiros quatro meses do ano, superando os R$ 11 milhões liberados no ano passado. "Em um único dia tivemos pedidos que superaram os R$ 4 milhões", disse.

A empresa busca agora novos bancos para ampliar a parceria. "Para o fornecedor, essas linhas têm custo de captação próximo ao nosso, que ele não conseguiria no mercado. Isso o coloca em pé de igualdade com fornecedores de maior porte, equalizando o custo de capital", completou Saldanha.

Diversas companhias já anunciaram programas semelhantes para tentar conter os efeitos negativos da crise. A Nestlé já realizou a intermediação de R$ 50 milhões com bancos para seus fornecedores. A Petrobras também pretende antecipar os pagamentos dentro de sua cadeia produtiva para mitigar os problemas da falta de recursos no mercado.

Esse tipo de acordo conta obviamente com o claro interesse das instituições financeiras. Os bancos apostam em usar as cadeias produtivas como forma de irrigar as pequenas e médias com maior segurança. Com a garantia de pagamento das empresas de primeira linha, os bancos conseguem continuar girando a carteira sem se expor a riscos muito elevados de inadimplência.

De acordo com números do Banco Central, o "vendor" (linha específica para fornecedores de grandes empresas), teve expansão de 35,7% em março, num total de R$ 4,6 bilhões liberados no mês. O desconto de duplicata, também muito usado pelas médias que contam com a garantia de pagamento das grandes, avançou 27%, com volume total de R$ 9,1 bilhões no mês.

Os bancos correm atrás desse modelo, já que a inadimplência no "vendor" marcou 0,1% em março, mesmo patamar dos dois meses anteriores. A média entre as pessoas jurídicas de 2,6%.

O Bradesco lançou, em meados de fevereiro, uma linha especial chamada de Crédito para Fomento dos Ciclos de Produção, ou seja, uma antecipação de recursos a fornecedores das empresas de primeira linha.

Em pouco mais de três meses, as concessões de recursos já superaram os R$ 450 milhões, sendo R$ 150 milhões nos últimos 30 dias. Essa foi uma forma encontrada de viabilizar crédito para pequenas e médias empresas dentro do ciclo de cadeia produtiva, afirmou Norberto Barbedo, vice-presidente do Bradesco, no lançamento do produto.

Esse tipo de acordo não é novidade, mas vem crescendo com a crise. O HSBC, por exemplo, conta com serviços de antecipação de recebíveis pela internet desde 2007. Em parceria com grandes empresas, o banco cadastra todos os recebíveis dessas companhias (usando um modelo aprimorado do tradicional "compror") e as pequenas empresas fornecedoras de serviços podem escolher a data e as taxas de desconto desses papéis.

Além dessa intermediação, os bancos têm empurrado dinheiro diretamente para as maiores companhias para que elas mesmas concedam empréstimos, seja por meio do pagamento à vista, seja para antecipar o desconto de duplicatas. Para os bancos, isso reduz seus riscos e também diminui a inadimplência entre as médias empresas, segmento cujos atrasos mais avançam.

Os números do Banco Central mostram essa tendência de concentração dos recursos na mão das grandes. As concessões acumuladas no mês de março com linhas flutuantes, que atendem empresas de maior porte, avançaram 38% em março, somando R$ 22,2 bilhões. Essa tendência teve início com o agravamento da crise internacional, em setembro, quando as captações de recursos no exterior secaram e as grandes empresas precisaram recorrer ao mercado local para financiar suas operações.