Título: O PAC e os processos de desapropriação
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 21/05/2009, Legislação, p. E2

O governo federal, em conjunto com os Estados e municípios da federação, vem desenvolvendo, desde o ano de 2007, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que visa a investir em infraestrutura logística, energética e social urbana, incluindo as obras de saneamento e habitação nas áreas carentes do país. Esse projeto movimenta vultosos valores, como podemos verificar na página na internet do programa e movimentará R$ 509,3 bilhões entre os anos de 2007 e 2010.

Apenas no Rio de Janeiro, as obras movimentam o montante de R$ 165,6 bilhões. Ou seja, o Estado do Rio de Janeiro foi um dos grandes privilegiados pelo projeto. Assim, o governo do Estado utilizando a enorme verba despendida com o PAC, vem ajuizando diversas ações de desapropriação, que buscam, principalmente, a criação de rodovias, ferrovias, praças, habitações, hospitais, alargamento de ruas, construção de escolas, creches, espaços comunitário etc. Tais ações estão sofrendo grande resistência da sociedade.

Segundo dados da Advocacia Geral da União (AGU) existem 1.026 ações propostas contra o principal programa do governo federal. Destas, 533 questionam as licitações para as obras em rodovias, o que representa 51,9% do total de ações contra o PAC. Quanto ao número de ações movidas pelos entes federativos, conforme informa a AGU, a grande maioria é de desapropriações. Há 780 processos deste tipo.

Na cidade do Rio de Janeiro, as obras de maior repercussão estão concentradas na Rocinha, na zona sul, e nos complexos de Manguinhos e do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro.

E para que estas obras possam acontecer, milhares de moradores e empreendedores serão desapossados de seus imóveis - que serão desapropriados -, sendo realocados em outros imóveis ou indenizados. De acordo com a Secretaria de Obras do Estado, 4.822 casas serão removidas nas três comunidades.

Por outro lado, impera a desconfiança dos donos dos imóveis de que a avaliação dos seus bens não seja justa e que o valor gasto na construção dos imóveis seja superior àquele oferecido pelo governo do Estado, restando clara a incerteza da população que cerca as alardeadas obras do PAC.

Vale ressaltar que, diante da alegação de urgência das medidas, normalmente, o ente estatal pede em sua ação de desapropriação a imissão provisória na posse - uma espécie de decisão liminar - pelo rito desapropriatório, que permite que o ente público, justificando a urgência alardeada, destitua o particular de seu bem por um preço previamente ofertado pelo Estado, sem contraditório prévio. E isso vem se concretizando na prática.

Não questiono o interesse coletivo das desapropriações, tampouco da intenção do governo de propiciar o crescimento da economia no país, com a criação de obras e geração de empregos, tanto mais nessa época de enorme crise financeira mundial.

No entanto, discordo da maneira como os entes federativos atuam, em especial, o Estado do Rio de Janeiro, que, moroso em criar soluções justas e efetivas para o problema das desapropriações, vem gerando intensa inquietude na sociedade, ante a agressiva e incorreta estratégia de desapossar o particular por valores módicos, indiferente quanto ao pagamento muito posterior do que é devido, a ocorrer, talvez, em outro governo que não o atual, "empurrando o problema com a barriga" e causando grande prejuízo à população.

Recentemente, uma permissionária de transportes públicos, prestadora de serviço público essencial, constituída há mais de 40 anos na Rocinha, e que transporta, mensalmente, quase dois milhões de passageiros, gerando centenas de empregos, foi abarcada em alguns desses processos de desapropriação movidos pelo Estado no Rio de Janeiro, em que se pretendia desapossá-la de sua garagem.

Nos aludidos processos, talvez pela necessária celeridade da edição e da realização dos procedimentos desapropriatórios, foram constatadas divergências entre as metragens apresentadas no laudo de avaliação prévio do Estado e nas verdadeiras medidas dos imóveis constantes no registro geral de imóveis.

Tal procedimento, cumulado com a necessidade de continuidade da prestação do serviço público, causou intensa batalha judicial, empacando grande parte das obras pretendidas, o que culminou, por fim, na edição da Lei Estadual nº 5.397, de 2009, e com o acordo entre as partes, formaliza uma permuta entre imóveis, possibilitando o início da obra e a continuidade do serviço prestado pela desapropriada.

Restam claros os procedimentos perpetrados pelo Estado. Ele propõe a demanda arguindo necessidade de desapossar imediatamente o particular do bem, diante do depósito prévio. Porém, o valor ofertado como indenização não condiz com o justo, conforme foi comprovado em diversas causas, por erros diversos.

Desta forma, diante da pressão do ente estatal, que alega urgência na imissão provisória, o dono do bem corre o risco de viver a situação esdrúxula de perder seu bem, por valor irrisório e sem prévio consentimento, tendo dificuldades para buscar imóvel ao menos parecido, pois não terá recursos para tal.

E, mais, terá que litigar com o Estado por anos, em perícias complexas, e inesgotáveis recursos, inclusive nos tribunais superiores (prática assente pelos entes estatais), para que, por fim, atingida a justa indenização, por sentença transitada em julgado, tenha que aguardar por quase dez anos para receber a diferença compensatória do desapossamento do bem, visto que, no Rio de Janeiro, absurdamente, os precatórios referentes aos anos de 1999 e 2000 é que estão sendo pagos este ano. Ainda que em nome da coletividade, não se pode jamais sobrepujar os direitos de propriedade e da justa indenização, preceituados nos artigos 5º, XXII, XXIV, XXV, e artigo 182, § 3º, da Constituição Federal.

Desta forma, mesmo que, a princípio, soe como prejuízo à coletividade, o Judiciário vem decidindo acertadamente sobre o tema, aplicando a lei com equidade e proporcionalidade, sopesando os princípios constitucionais discutidos, tendo em vista que não se deve, pelo simples motivo de cumprir metas para efetivação de obras em tempo hábil e gerar números governamentais, suplantar o direito constitucional da propriedade e prévia e justa indenização, conquistados com muito custo na Constituição nacional de 1988. Esses atos configuram uma espécie de retrocesso ao colocar em segundo plano os direitos adquiridos.

Bernardo Anastasia Cardoso de Oliveira e Jorge Mesquita são, respectivamente, sócio e advogado do escritório Antonelli & Associados Advogados

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