Título: O Brasil e o duro jogo comercial dos chineses
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/05/2009, Opinião, p. A12
A China joga duramente no comércio internacional e se afirma cada vez mais como uma potência que, amparada por quase US$ 2 trilhões em reservas, dá-se o direito de seguir estritamente a cartilha de seus interesses políticos e econômicos. É pouco provável que uma missão brasileira com mais empresários do que a que esteve recentemente em Pequim com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pudesse mudar este figurino. Houve acordos em petróleo e mineração que, mais soja e commodities agrícolas, é tudo o que a China busca hoje nos quatro cantos do globo com uma sede notável. E nunca se pode esquecer o fato de que a China é um grande competidor do Brasil em quase todos os setores, com exceção de matérias primas.
A China negocia o que lhe interessa com a prepotência de magnatas e a rispidez de um regime ditatorial. O governo chinês havia se comprometido a liberar as importações de carne de frango desde novembro do ano passado e a missão de Lula saiu do país com a sinalização de que agora elas poderão ocorrer. Poderá haver alguma melhora nas compras de carne bovina, mas isto não é seguro. No veto à carne de porco, da qual são grandes clientes dos EUA, os chineses são irredutíveis.
Espalhados claramente durante as reuniões estavam os sinais de insatisfação da China com a sábia relutância do governo brasileiro em cumprir sua promessa de considerar formalmente o país como uma economia de mercado. Os burocratas chineses citaram especificamente as ações antidumping brasileiras - a China é o maior alvo delas -, e sem as quais os empresários brasileiros não teriam qualquer defesa contra a invasão de produtos cuja formação de preços e custos é nebulosa. Eles insinuaram também que as empresas chinesas se sentiriam estimuladas a investir no Brasil caso pudessem levar mão de obra própria, o que vem fazendo com sucesso em seus projetos na África - e só lá.
Há um velho sabor colonial nesta exigência. Para encerrar o circuito em que a China escolhe a commodity que lhe falta, garante seu abastecimento no futuro com investimento externo direto em projetos exclusivamente de exportação para si em outros países, a única coisa que falta é que os próprios trabalhadores sejam chineses.
As discussões sobre negócios em setores complementares, como petróleo, foram duras. A Petrobras obteve US$ 10 bilhões de crédito tendo como lastro a venda de 150 mil barris de petróleo agora e, no futuro, 200 mil barris. O Brasil soube escapar das várias armadilhas dos hábeis negociadores chineses. Houve momentos em que os chineses pediram o pagamento exclusivamente em petróleo - fosse qual fosse a situação do abastecimento brasileiro e a disponibilidade do produto, a China estaria absolutamente garantida. Como contratos de longo prazo levam em conta o preço spot, os chineses demonstraram que gostariam de um desconto fixo sobre este preço. Não era tudo: Pequim queria que o gasto do dinheiro emprestado em petróleo servisse também para a contratação de empresas chinesas nos projetos. A Petrobras conseguiu transformar este abraço de urso em termos comerciais normais. Paga-se em dinheiro com juros pelo empréstimo (6,5%, abaixo do que vem pagando) e os recursos serão usados como a estatal quiser. Empresas chinesas serão chamadas se for conveniente aos interesses da Petrobras.
O jogo da China é muito claro. Com muitas reservas e com a disposição de reduzir a dependência do dólar, ela subordinou sua política comercial aos objetivos de longo prazo - obter as commodities de que carece, criar projetos cuja finalidade seja sua exportação para o mercado chinês e financiá-las impondo condições de venda de equipamentos e, quando possível, exigência de mão de obra chinesa. De seus investimentos externos, que dispararam a partir de 2004, praticamente a metade se concentra em petróleo e mineração e 25% em serviços financeiros, com transporte em um distante terceiro lugar (nota técnica do Ipea "A internacionalização das empresas chinesas"). Os interesses políticos da China são distintos dos brasileiros e, comercialmente, o Brasil precisa ser realista para definir objetivamente o que pode obter de um parceiro tão exigente.