Título: Mercado tende à neutralidade em 2006
Autor: Ilton Caldeira e Vera Saavedra Durão
Fonte: Valor Econômico, 09/03/2005, Política, p. A8

O mercado financeiro aposta na antecipação do calendário eleitoral da sucessão de 2006 e tende a uma postura de neutralidade. De acordo com projeções de bancos e consultorias, ao contrário do que ocorreu em 2002, quando os principais índices reagiam mal a cada vez que uma nova pesquisa apontava a vitória do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, poderá haver tensão no mercado, mas a tendência é de estabilidade com uma polarização entre PT e PSDB. O argumento utilizado por especialistas para afirmar que o cenário econômico ficará estável é que o mercado tem medo do desconhecido e PT e PSDB já são conhecidos. O que pode pesar contra o atual governo é o fato de que ele não foi testado em suas convicções, diante de um cenário externo desfavorável e ainda existem dúvidas no mercado sobre como seria a condução da economia nesse caso. "O modelo de política econômica que vem sendo praticado pelo PT não está no sangue do partido. Tem ocorrido uma continuidade porque é uma fórmula que deu certo. Resta saber se em um cenário adverso essa política econômica será defendida em suas diretrizes como fez o PSDB no passado.", argumenta o diretor do Banco Modal, Alexandre Póvoa. Para Bernardo Macedo, economista responsável pela área de conjuntura e cenários da consultoria LCA, no período que antecedeu as eleições presidenciais em 2002, houve um vetor que foi subestimado: o aumento do risco de todos os países emergentes motivado pelo "stress" do mercado internacional. "Nossa vulnerabilidade continuaria existindo naquele cenário, independente da circunstância política, do fato de quem estava liderando as pesquisas de intenção de voto ou qual candidato, Lula ou Serra, aparecia com mais chances de vitória". Macedo acredita que em 2006 Lula pode agregar mais apoios no mercado que em 2002. Mas para viabilizar a reeleição será necessária a montagem de um governo de coalizão, aumentando o leque de alianças, e o resgate de valores históricos do partido, como a adoção de uma política mais agressiva na área social. "O grande problema para o governo, é que estes dois movimentos, um governo de coalizão com resgate dos valores petistas, são contraditórios. Mas com o PT alijado da Mesa da Câmara, enfraquecido pela vitória do Severino, e sem o leme do Senado, o governo tem a necessidade de buscar os valores históricos do partido", diz Macedo. Na opinião de Mailson da Nóbrega, sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada e ex-ministro da Fazenda, o cenário mais provável em 2006 ainda é a reeleição do presidente Lula. Mas para isso, é necessário que o comportamento de dois atores importantes, o investidor externo e o eleitor mediano, continuem calmos. "O investidor internacional, por enquanto, não vai fugir do Brasil e está de acordo com a condução da economia. E o eleitor mediano não está preocupado, por exemplo, com a MP 232 e suas conseqüências. Mas se houver algum fator que mexa com esses dois setores o projeto de reeleição pode vir a ser ameaçado. Por exemplo, o problema da gestão social ainda não bateu no eleitor mediano, mas se isso ocorrer a percepção do eleitorado pode mudar", analisa o ex-ministro. Segundo Mailson, em 2006, num cenário de polarização entre o PT com Lula e o PSDB, possivelmente com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, pode-se ter uma disputa em ambiente tranqüilo, embora o mercado possa tender a ser eleitor do PSDB. "O risco de mudanças na economia é pequeno com os dois partidos, mas com o PSDB a gestão da máquina tende a ser melhor". Para tentar enfraquecer o potencial eleitoral do PT, a oposição vai querer impor sua agenda, antecipando o debate sucessório em 2005, avaliam os especialistas. Para isso, o consultor da LCA, Bernardo Macedo, acredita que o discurso do PSDB terá que ocupar espaços, com críticas aos juros altos e à condução da política econômica, para tentar viabilizar uma candidatura competitiva. "Mas o mercado tende a ser governista e vê com bons olhos a política econômica praticada pelo atual governo. Lula é um presidente popular e ainda que com base fragmentada atrai apoios. O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, pode até endurecer com o governo, mas não vai rasgar dinheiro. Muitos parlamentares precisam de apoio e de um bom puxador de votos para se reeleger". A consultoria Macroplan divulgou o estudo "Quatro Cenários para o Brasil-2005/2007", que analisa a evolução do quadro econômico e político (interno e externo) para apontar possíveis cenários para o país nos próximos dois anos. O cenário mais provável (33%) é o da "vitória da persistência", no qual se pressupõe um contexto internacional favorável com manutenção de boas condições de governabilidade, com melhorias na gestão pública e avanços na economia, aumentando a confiança dos investidores externos. A economia continuaria crescendo com o PIB aumentado 4% em 2005, 5% em 2006 e 5% em 2007. Neste quadro, a reeleição de Lula é certa. Mas, o consultor Cláudio Porto, da Macroplan, responsável pelo trabalho, alerta para o crescimento da probabilidade do cenário mais complicado, denominado "sedução do populismo", resultado da combinação de um contexto internacional favorável com dificuldades internas de governabilidade e gestão pública pelos petistas, com o PIB voltando a uma trajetória de crescimento de 2% em 2006, como disse ao Valor. O terceiro cenário com o qual a consultoria trabalha é "navegando na turbulência" ou o "vôo da galinha", onde as condições internacionais pouco favoráveis leva o governo petista a manter austeridade na condução da sua política macroeconômica para se defender das dificuldades externas, com desaceleração econômica e redução da liquidez mundial, face a alta das taxas de juros nos Estados Unidos, reeditando a política do "dólar forte" do final dos anos 70. Nestas condições, o país apresenta resultados moderados na economia (PIB cresce 3% em 2005 e 2%, em 2006) e convive com problemas de desemprego e indicadores sociais desfavoráveis, o que prejudica a imagem do governo e vai reduzindo a popularidade de Lula. O quarto e último cenário é o "naufrágio à vista" (o fracasso da mudança radical). O desenho desse cenário pressupõe a combinação de uma situação internacional difícil com problemas econômicos e políticos internos, o que acaba levando a administração do PT a mudar sua política econômica. Nesse caso, há uma aceleração do risco Brasil, do custo da dívida e da vulnerabilidade externa, mais pressões inflacionárias e crescimento econômico pífio (PIB crescendo em média 2% entre 2005/2007). As implicações são negativas para a governabilidade e governança do país e também impactam a popularidade do presidente. Porto destaca que as preocupações da consultoria se voltam mais para os riscos de criação de uma conjuntura onde seja viável a factibilidade do cenário dois, já que tem seus fundamentos na fragilização da base de sustentação parlamentar do governo Lula, a partir da vitória de Severino Cavalcanti (PP-PE) para a presidencia da Câmara, aliada a persistência de dificuldades de gestão do governo, com destaque nas políticas sociais e o recrudescimento de pressões por mudanças na política macroeconômica aliada à rejeição de novos aumentos da carga tributária e ao gasto público. "Nós entendemos que a trajetória do país depende de duas incertezas: uma externa, por conta da liquidez internacional, preço do petróleo e da política americana e, outra interna: prover condições de governabilidade, fazer valer a agenda no Congresso, mostrar capacidade de gestão da política macro e tocar uma agenda microeconômica". É no front interno, segundo analisa Porto, que a coisa complica. "A situação estava indo muito bem até início de fevereiro, mas começou a complicar especialmente com a derrota da Câmara, além de sinal de uma situação de letargia administrativa do governo federal na expectativa da reforma ministerial". Porto aponta ainda problemas de agenda gerencial, como as obras de infra-estrutura paralisadas e outras situações de dificuldades na área social, como fazer andar o Bolsa Família, atrelada a difícil tarefa de acelerar a questão da reforma agrária. "Os números de execução dos assentamentos ainda são inferiores aos de Fernando Henrique. Isto, sem falar na mortandade de crianças índias por desnutrição. Esse quadro indica baixa capacidade de resolução do setor público", disparou. O consultor recorda que o próprio Lula falou que 2005 seria o ano de fazer e, nós estamos percebendo que as condições objetivas de fazer pioraram. "Pela minha experiência, o governo só começa a funcionar para valer no segundo semestre. Pois a reforma ministerial, se sair agora, vai levar pelo menos 60 dias após a posse dos novos ministros para as novas equipes voltarem a funcionar". Nesse ritmo, Porto acredita que Lula não vai apelar para o populismo, mas o risco aumenta de ser pressionado para uma saída mais populista, já que as eleições serão no ano que vem. Uma escorregadela nesse caminho mais fácil passa por medidas de aceleração na queda dos juros, tocar mais rápido os investimentos em infra-estrutura (mesmo sem o equacionamento das PPPs). "As pressões vão se acumular para Lula mudar a política econômica", pressagia. "Se a situação se complicar com uma crise externa ('naufrágio à vista'), apesar de que no momento nunca se viu cenário externo tão favorável, o governo pode ser tentado a trocar mais crescimento e emprego por uma inflação um pouco mais alta, para garantir a reeleição".