Título: Vazamento externo
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 11/03/2010, Economia, p. 20

PIB brasileiro perderá pelo menos dois pontospercentuais em 2010 por causa do efeito importação. Necessidade deatender ao aumento do consumo no período de forte expansão obrigará opaís a comprar mais lá fora. Não fosse isso, o crescimento deste anopoderia bater em 8%

O forte aumento das importações, reflexo doaquecimento do consumo, fará com que o setor externo tire pelo menosdois pontos percentuais do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010. Ouseja, em vez de o país crescer 5,8%, como projeta o Banco Central, ou6%, como estimam os bancos Itaú Unibanco e ING, o resultado final seriade 7,8% ou 8% se os cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística (IBGE) considerassem apenas o que se denomina demandaagregada interna e não contabilizassem a diferença entre as importaçõese as exportações de bens e serviços.

Na linguagem do mercado, essa perda de até dois pontospercentuais do PIB se chama vazamento externo. Ela acontece,normalmente, em períodos de substancial crescimento econômico, como oatual. Para atender ao consumo das famílias, de empresas e do governo,o país tem que importar muito, e as compras acabam registrando avançomaior do que as exportações, que estão prejudicadas por causa do fracodesempenho das economias mais ricas do planeta. Pelas contas do BC, asimportações deverão aumentar 21,43% neste ano e as vendas ao exterior,11%. É essa diferença que vai comer uma parte do resultado final doPIB neste ano.

Em 2009, com a economia ainda se restabelecendo dos estragosprovocados pela crise mundial, aconteceu exatamente o contrário: osetor externo jogou a favor do PIB. Pelos cálculos da economista LuízaRodrigues, do Banco Santander, a contribuição foi positiva em 0,4 pontopercentual o número oficial será conhecido hoje, quando o IBGEdivulgar os resultados do PIB do quarto trimestre e de todo o anopassado. Nas nossas contas, o PIB caiu 0,2%, número que seria pior sea contribuição do setor externo não tivesse sido positiva, afirmou.

Dependência

A economista-chefe do Banco ING, Zeina Latif, lembrou que, nosúltimos anos, quando o Brasil retomou o fôlego do crescimento, com taxamédia anual de expansão superior a 4%, houve vazamento externo doPIB. Isso aconteceu porque o mundo passou a financiar o excesso deconsumo do país, seja por meio das importações, ou pelo pagamento deserviços, como aluguel de equipamentos. Isso é comum em países deeconomia emergente, como o Brasil, disse.

O problema, a seu ver, é esse quadro de excesso de consumocontinuar por um longo período e os investidores que hoje financiam oBrasil deixaram de fazê-lo. Nada pode ser exagerado. Uma demanda fortedemais, com contas externas deficitárias, pode levar à alta do dólar e,por tabela, da inflação. Nenhum investidor gosta de bancar esse tipo deeconomia por muito tempo. Sabe que, em algum momento, alguma coisa daráerrado, assinalou. Por isso, ela recomenda que o primeiro a botar o péno freio do consumo deveria ser o governo, criando uma poupança internasuficiente para bancar o crescimento sem pressões inflacionárias e semdependência extrema do capital estrangeiro.

Zeina lembrou que os quase dois pontos que o setor externo tirarádo PIB em 2010 têm o lado positivo de as importações estarem sendopuxadas por bens de capital máquinas e equipamentos. São as empresasinvestindo na ampliação de suas fábricas, que vão resultar no aumentoda oferta de produtos, assinalou. Também não podemos esquecer que oBrasil está em uma situação mais confortável financeiramente, pois écredor internacional, com reservas cambiais superiores a US$ 240bilhões.

Robustez

Apesar de todas as apostas do mercado serem de queda em torno de0,2% do PIB em 2009, o economista Aurélio Bicalho, do Itaú Unibanco,ressaltou que esse resultado deve ser comemorado, pois, pelo terceiroano consecutivo, o Brasil terá desempenho melhor do que o mundo, que,pelos seus cálculos, teve contração de 1,1%. Segundo ele, a última vezem que o país registrou um período tão longo do crescimento superior àmédia mundial foi entre 1993 e 1995. Para o quarto trimestre de 2009,especificamente, Bicalho prevê expansão de 2% para o PIB ante os trêsmeses imediatamente anteriores, o que mostra que o Brasil saiurapidamente da crise e passou a crescer a taxas muito robustas anualizados, os 2% representam avanço de 8%.

Nenhum investidor gosta de bancar esse tipo de economia por muito tempo. Sabe que, em algum momento, alguma coisa dará errado

Zeina Latif, economista-chefe do Banco ING

O número

21,43%

Previsão do alta das importações neste ano, enquanto as vendas ao exterior devem aumentar 11%