Título: As responsabilidades pela mudança do clima
Autor: Luiz Gushiken e Luiz Pinguelli Rosa
Fonte: Valor Econômico, 09/03/2005, Opinião, p. A10

Desde a Revolução Industrial a temperatura média do planeta aumentou em torno de 0,6 ºC e a comunidade científica tem sido praticamente unânime em apontar que a ampliação do "efeito estufa" vem sendo provocada pela crescente concentração na atmosfera de certos gases. Esses gases impedem a liberação, para o espaço, do calor emitido pela superfície terrestre, a partir do aquecimento pelo sol (para os interessados nas conseqüências do "efeito estufa", bem como nos impactos das mudanças climáticas já está disponível para o público, na internet, (www.presidencia.gov.br/secom/nae), o estudo "Mudança do Clima", produzido pelo Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE), da Presidência da República). A entrada em vigor do Protocolo de Quioto, que limita as emissões de gases responsáveis pelo chamado "efeito estufa", dá início ao combate efetivo do aquecimento do planeta. As decisões de Quioto estão longe de equacionar o problema, mas o tema já coloca, para países e empresas, um conjunto de respostas e definições estratégicas. Outra preocupação é uma agenda pós-Quioto, expressa na convicção de que será necessário um novo acordo internacional, que regule as emissões de gases estufa quando se encerrar a vigência do protocolo em 2012. O recente desastre natural que atingiu a Ásia e parte da África contabilizando milhares de mortes, mesmo não tendo relação com o fenômeno do aquecimento global, revelou ao mundo a nossa vulnerabilidade com relação à adoção de medidas preventivas e corretivas de eventos extremos. Assim, devemos tirar uma lição dessa tragédia de modo que possamos evitar ou minimizar a ocorrência e seqüelas de eventos extremos sobre o planeta, resultantes da ação humana. O aquecimento global tem implicações diretas na vida cotidiana, ao ocasionar, por exemplo, perdas na agricultura, expansão de doenças endêmicas, aumento da freqüência e intensidade das enchentes e secas, mudança do regime dos rios, com impactos na geração hidrelétrica. Sem mencionar a elevação do nível do mar, com dramáticas conseqüências nas regiões costeiras. Ao traçar as perspectivas futuras e enfatizar alternativas potencialmente relevantes para o país, o documento produzido pelo NAE, e que envolveu 27 especialistas de reconhecida competência no assunto, mobilizados pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, fixa cinco iniciativas fundamentais: criação de um balcão de projetos de mitigação do efeito estufa; criação de entidades operacionais genuinamente brasileiras que possam reduzir os custos de validação, verificação e certificação junto ao Comitê Executivo do MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo); maior envolvimento da sociedade; e envolvimento e articulação de agentes econômicos. A quinta recomendação sugere o estabelecimento de uma estratégia pós-Quioto. O tratamento do problema do aquecimento global está apenas começando e a inserção do Brasil nesse novo cenário poderá ser no sentido de gerar "créditos de carbono", pelo êxito na mitigação do efeito estufa. O "mercado de carbono" não terá o poder de resolver problemas centrais que envolvem o meio ambiente, mas certamente poderá contribuir para isso. O papel do Estado, além da consolidação da política nacional de mudanças climáticas, será principalmente de fomento e difusão ampla de informações sobre o tema. Caberá aos agentes privados assumirem o papel de atores responsáveis.

A ocupação e o desmatamento da Amazônia podem ser maior contribuição do país para o efeito estufa

O Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas desempenha importante papel na condução das discussões. Atua como um elo entre o governo e a sociedade, incluindo ministros e o próprio presidente da República, juntamente com membros da comunidade científica, entidades empresariais e organizações não governamentais, além dos cientistas membros do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas. Por ocasião da entrada em vigor do Protocolo de Quioto, o Fórum aprovou uma agenda incluindo: o combate ao desmatamento, em especial na Amazônia; a vulnerabilidade do país às mudanças climáticas, em especial o semi-árido e aos recursos hídricos; o mecanismo de desenvolvimento limpo; as energias alternativas; o levantamento da situação atual do conhecimento, incluindo a política internacional de atribuição de responsabilidade e a agenda pós-Quioto. O Brasil se apresenta, hoje como um dos principais candidatos a atrair projetos na área de energia renovável e eficiência energética dentro Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, ao lado de China e Índia. Os projetos do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) e do programa nacional do biodiesel oferecem excelentes oportunidades de enquadramento no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. O recente lançamento da Comunicação Nacional, na qual é apresentado o inventário brasileiro das emissões dos gases de efeito estufa, configura-se em uma importante ação institucional do governo no sentido do cumprimento dos compromissos assumidos na Convenção do Clima. No entanto, também temos a lição de casa a fazer e desafios a serem superados. Devemos estar vigilantes às repercussões dos efeitos das queimadas na agricultura, bem como sobre o processo de ocupação e o desmatamento da Amazônia, uma vez que recai sobre essas ações a maior contribuição brasileira para o efeito estufa. É imperativo evitar o desmatamento ilegal. Um passo para isso é o Programa Nacional de Combate ao Desmatamento. A vocação de sermos o "país do futuro", também se aplica nessa área. Cabe-nos não desperdiçar oportunidades e fazer definições corretas, agora, para que de fato o amanhã confirme nossas melhores vocações.