Título: País já pode fixar meta menor, dizem analistas
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Fonte: Valor Econômico, 25/05/2009, Brasil, p. A4

O governo brasileiro tem condições de perseguir metas inflacionárias mais baixas, após manter a meta de 4,5% durante seis anos. Para economistas, o cenário de variações no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) próximas a 4% nos próximos dois anos permite a fixação da meta de inflação de 2011 em 4%, com redução gradual nos anos seguintes, sem a exigência de elevação exagerada na taxa de juros. O Conselho Monetário Nacional (CMN) decide na reunião de junho a meta de inflação de 2011 e, como revelou o Valor, internamente, representantes do governo avaliam a possibilidade de fixar uma meta inferior a 4,5%.

O ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman, economista-chefe do Santander, considera viável e desejável a definição de uma meta mais baixa e sugere a estipulação de 4% para 2011, com redução gradual nos anos seguintes até 3,5%. "É plenamente possível trabalhar com uma meta mais baixa, até porque, entre outras razões, o Brasil mantém uma das metas inflacionárias mais altas entre os países emergentes."

Schwartsman considera "equivocado" definir uma meta mais alta por ser, teoricamente, mais fácil de ser alcançada. Ele observa que, em junho de 2007, quando o governo discutia a meta de inflação para 2009, as expectativas de inflação futura se situavam na faixa dos 4%. Em 2006, o IPCA havia ficado em 3,14% e a projeção para aquele ano era de 3,5%. "A partir do momento em que o governo fixou a meta em 4,5%, a inflação e a expectativa futura começaram a subir. Quando o governo anuncia que vai buscar uma meta, as empresas fazem os reajustes também visualizando esse teto", diz. Conforme o economista, as perspectivas de inflação para 2011 estão situando-se entre 4% e 4,2% e há espaço para perseguir a meta de 4%.

Avaliação semelhante faz o ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola, sócio da Tendências Consultoria Integrada. Ele também considera que o governo perdeu uma grande chance de reduzir a meta de inflação em 2007 (quando definiu a meta de 2009) e a fixação em 4,5% contribuiu de certa forma para a piora no quadro inflacionário. Para Loyola, o governo deveria adotar a meta de 4% em 2011 e, para os anos seguintes, fixar metas inferiores. "Existe espaço para trabalhar com uma meta menor. Além disso, o Banco Central tem o regime de banda, que permite acomodar inflações excepcionais, como ocorreu no ano passado", afirma.

Loyola considera pouco viável a fixação da meta em 3%, como defendem alguns economistas. "O Brasil ainda está em fase de adaptação. Estabelecer uma meta muito ambiciosa vai exigir uma política monetária mais apertada, o que seria um problema", diz. Ele observa ainda que é necessário reduzir ou pôr fim ao grupo de preços monitorados, que têm reajuste baseado no Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M). "No meio de uma crise mundial a inflação no Brasil sobe por causa de reajuste de medicamentos. Existe muita indexação e é necessário acabar com essa inércia inflacionária", conclui.

O professor Samuel Pessoa, da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), também considera "oportuna" a definição de uma meta menor, dado o cenário econômico mundial que se desenha. "A meta atual de 4,5% é uma meta alta", diz. Para ele, a meta poderia ser de 4% para 2011 e, ao longo de dois ou três anos migrar para 3,5%. "É um momento oportuno, porque a economia está no meio de uma recessão e o nível de atividade no Brasil mais fraco, o que permite ao governo equilibrar a política monetária sem provocar efeitos negativos ao nível de emprego."

Assim como Schwartsman, Pessoa acredita que uma meta menor não implicaria mudanças na taxa básica de juros. "Ninguém sabe o que vai acontecer com a taxa de juros quando a crise passar. Acredito que os juros voltarão a subir e isso independe de a meta de inflação ficar em 4% ou 4,5%", disse. Ele prevê recuperação na economia dos Estados Unidos a partir de 2010, com elevação das taxas de juros pelo Federal Reserve (Fed) - e consequente elevação da taxa de juros no Brasil. Para o cenário nacional, ele prevê recuperação da atividade no segundo semestre de 2010 ou, no máximo, no primeiro trimestre de 2011. "Quando o nível de utilização da capacidade instalada subir acima de 82% ou 84%, o governo vai elevar os juros. Talvez haja mudanças estruturais na economia e a Selic fique em um patamar mais baixo do que em anos anteriores, mas acredito que deva ficar em torno de 9,5% ao ano."

O ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, e professor do Instituto de Economia da Unicamp, Luiz Gonzaga Belluzzo, mostrou-se contrário à definição de uma meta inflacionária inferior a 4,5%. "O governo não deveria discutir essa questão agora. Não é o caso, é inconveniente e improcedente", critica. Em sua avaliação, a inflação neste ano ficará abaixo de 4,5% em função do cenário internacional e tal desempenho não necessariamente se repetirá após a recuperação das economias doméstica e internacional. "O governo ainda está muito apegado a um passado de inflação alta e não percebe que a política de metas e a política monetária muito apertada nem sempre foram eficazes."

Belluzzo considera que a manutenção de altas taxas de juros ajudou a controlar a inflação, mas também contribuiu para o crescimento da "bolha de ativos" no mercado de derivativos. Os juros altos também atraíram e ainda atraem investimentos estrangeiros, causando uma valorização às vezes exagerada do real frente ao dólar. "Com a taxa de juros atual, vamos continuar sofrendo esse efeito da arbitragem, sem qualquer efeito sobre a inflação. O governo deveria aproveitar para reduzir a taxa de juros e desvalorizar o real, para não prejudicar ainda mais a exportação de manufaturados, que já está comprometida pelo câmbio."