Título: Questionamento jurídico aguarda tramitação de mudanças na poupança
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/05/2009, Política, p. A7
Antes mesmo de formalizada por projeto de lei, a opção escolhida pelo governo para tributar a caderneta de poupança é alvo de questionamento jurídico por especialistas. O advogado Danilo Augusto de Aguiar, consultor legislativo do Senado e especialista em direito tributário, alerta que, se sair como foi anunciada pelo Ministério da Fazenda em 13 de maio, a proposta a ser apresentada ao Congresso Nacional ferirá a Constituição, porque a base de tributação variará conforme o nível da Taxa Selic.
"Ainda não dá para dizer que o projeto é inconstitucional porque o texto ainda não foi publicado. Mas consideradas as informações divulgadas pelo ministério, vejo potencial inconstitucionalidade a ser contornada", disse Aguiar ao Valor. O consultor é contestado pelo Procurador Geral da Fazenda Nacional, Luís Inácio Adams. Segundo ele, justamente da forma como foi anunciada, a relação entre a Taxa Selic e a base de incidência do Imposto de Renda (IR) não traz qualquer problema de inconstitucionalidade.
Atualmente, além de pagar juros fixos de 6% ao ano mais Taxa Referencial (TR), a poupança é totalmente isenta da incidência de IR. Quanto mais cair a taxa básica de juros e, com ela, as taxas pagas por bancos e fundos para captar recursos de outras formas, mais atrativa se tornará a caderneta comparativamente a outras aplicações.
As condições macroeconômicas atuais indicam que o Banco Central não terá maiores dificuldades para manter a inflação sob controle, o que lhe permite continuar reduzindo a Selic, cuja meta está em 10,25% ao ano. O governo teme que a combinação de todos esses fatores gere forte migração de grandes investidores para a caderneta. Além de desvirtuar um instrumento visto como de proteção da poupança popular -e não de especulação financeira- , essa migração aumentaria o risco de descasamento temporal entre ativos e passivos dos bancos, já que os depósitos em poupança, embora tenham prazo de um mês, são obrigatória e majoritariamente (70%) aplicados em financiamentos imobiliários e, portanto, de longo prazo.
Para evitar migração, o governo anunciou que vai tributar depósitos superiores a R$ 50 mil a partir de 2010. Quanto mais cair a Selic, maior será a parcela do excedente sujeita a Imposto de Renda sobre a respectiva remuneração (para tal efeito, será considerada só a remuneração dos juros fixos). Se a Selic cair a menos de 7,25% ao ano, por exemplo, todo o excedente a R$ 50 mil será objeto de tributação sobre o respectivo juro.
Aguiar entende que o atrelamento da base tributável à Selic, ainda que de forma indireta, fere o parágrafo 1º do artigo 145 e o inciso I do artigo 150 da Constituição. Ele explica que, pela combinação desses dispositivos, a carga do IR sobre o rendimento da poupança só pode aumentar em função da capacidade contributiva (quando a lei prevê alíquotas progressivas) ou quando a lei eleva o imposto. Pela fórmula do governo, a carga de IR subirá não apenas quando o rendimento obtido for maior, mas também quando a Selic cair e sem que uma nova lei autorize esse novo patamar de cobrança, alerta.
O titular da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional diz que não há inconstitucionalidade na fórmula porque o que vai mudar de acordo com a Selic é a faixa de isenção, caindo quando cair a Selic. Ou seja, o objeto da lei não é a base de cálculo do IR em si e sim o benefício fiscal de que goza a poupança. E a capacidade contributiva continuará interferindo na incidência do tributo. Nesse sentido, diz Luís Adams, nenhum dos dois dispositivos apontados estaria sendo ferido.
No Congresso Nacional prevê-se uma tramitação difícil para as mudanças na poupança cujo formato e prazo para chegarem à Casa ainda não foram definidos. A oposição está unida no propósito de rechaçar as mudanças e desgastar politicamente o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante sua tramitação.