Título: Com retomada da economia, Meirelles testa capital político
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/05/2009, Política, p. A7

A quatro meses do prazo-limite para filiar-se a um partido e, assim, poder disputar as eleições de 2010, o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, aposta na recuperação da economia brasileira para reaver o capital político perdido em meio à crise internacional. Para Meirelles, seu futuro político depende essencialmente da retomada do Produto Interno Bruto (PIB). Se o Brasil se sair bem da crise, ele acha que terá força para o pleito de 2010. Se não sair, suas chances são mínimas.

O presidente do BC avalia, segundo seus interlocutores, que acumulou um importante capital político nos últimos anos. Esse capital é representado pelo controle da inflação; pela obtenção do grau de investimento, um selo de qualidade que fechou um longo capítulo da histórica econômica do país, iniciado em 1982, com a crise da dívida externa; e pela aceleração da taxa de crescimento econômico, que mais do que dobrou entre 2002 e 2008. Com a crise internacional, o próprio Meirelles acredita que parte desse capital evaporou.

Embora o país resista bem à turbulência financeira mundial, a economia deve ter entrado em recessão técnica no primeiro trimestre e possivelmente fechará 2009 com crescimento perto de zero. Some-se a isso o desemprego, que em dezembro de 2008 estava em 6,8%, mas, em março, por causa da crise, pulou para 9%.

Meirelles acha, no entanto, que a economia vai se recuperar, o que será mais visível no terceiro trimestre. Quando isso acontecer, o quadro político vai se tornar mais favorável, facilitando a tomada de uma decisão político-eleitoral. "Não há dúvida de que, se o cenário mais positivo acontecer, já no fim do ano o capital político vai voltar a ficar mais visível do que é hoje", disse Meirelles recentemente durante conversa com um amigo.

Mesmo evitando participar de articulações políticas, por considerá-las prejudiciais à sua atuação no BC, Meirelles reconhece, quando trata desse assunto, que o timing político de suas decisões será estreito. Em setembro, ele terá que obrigatoriamente se filiar a um partido. Seis meses depois, se optar por candidatar-se, terá que se desincompatibilizar-se do cargo. De acordo com suas contas, a redenção política, dependente da recuperação da economia, só acontecerá entre a primeira data e a segunda. "O jogo vai estar muito apertado", lamentou-se com um interlocutor.

O consolo do presidente do BC é que, há duas semanas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu garantia firme de que ele poderá ficar no cargo até dezembro de 2010. Lula já disse mais de uma vez aos seus auxiliares que tem "dívida de gratidão" com Meirelles, que renunciou ao mandato de deputado federal, em 2003, para assumir o comando do BC num momento em que o presidente encontrava enorme dificuldade para preencher o cargo. Por outro lado, Lula afirmou que, se Meirelles quiser sair candidato em 2010, não o prenderá, mas deixou claro que ele poderá ficar no posto até o prazo-limite - março do próximo ano.

A demonstração de prestígio foi importante para Meirelles. O presidente do BC sempre conviveu com pressões, forjadas fora e dentro do governo, para deixar o cargo. A coação provocava desestabilização e, por essa razão, era lesiva à sua autoridade à frente do Banco Central. Agora, fortalecido no cargo, Meirelles se dedica aos assuntos da economia, zelando, ao mesmo tempo, por seu projeto político. Sua estratégia é dar visibilidade à saída do país da crise.

Neste momento, o presidente do BC ainda não decidiu o que vai fazer em 2010. Ele prefere se concentrar em seu trabalho no BC, mas está atento ao tabuleiro político do Estado natal, Goiás, e também aos movimentos em torno de sua grande ambição - a presidência da República. Meirelles não esconde, nas conversas com amigos e antigos correligionários, que gostaria de ser presidente. Este era o seu plano original desde que decidiu ingressar na política, em 2002, mas, agora, ele procura ser realista. Pelo menos no momento, não acredita que tenha alguma chance no cenário nacional.

Uma candidatura presidencial, raciocina o presidente do BC, dependeria da existência de espaço vazio no atual espectro político. Ele considera que, com as candidaturas de José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT), e com Ciro Gomes (PSB) e Aécio Neves (PSDB) correndo por fora, não há "vácuo eleitoral". Se um ou dois dos principais candidatos não se viabilizasse até o fim do ano, o cenário mudaria radicalmente, mas, se a desistente fosse Dilma Rousseff, a pressão - do PT e das forças que apoiam hoje o governo - seria pela mudança das regras eleitorais para permitir que Lula disputasse o terceiro mandato.

"Acho pouco provável que se parta para a viabilização de um outro nome em cima da eleição", comentou Meirelles há poucos dias, segundo relato de um interlocutor político. "A possibilidade de queremismo é grande."

Quando olha para a disputa regional, Meirelles também vê congestionamento. Neste momento, há dois candidatos fortes ao governo de Goiás em 2010 - o senador Marconi Perillo, do PSDB, e o prefeito de Goiânia, Íris Rezende, do PMDB. O problema é que, pela primeira vez na história do Estado, o governador - Alcides Rodrigues (PP) - não apoia nenhum dos contendores. É adversário de ambos.

O sonho de consumo de Alcides é lançar Meirelles à sua sucessão, mas não é da tradição goiana ter três candidatos fortes disputando o governo. Por isso, há uma negociação em curso, com a participação, inclusive, do presidente Lula, para se fechar um acordo entre o PP e o PMDB para derrotar Perillo, o candidato da oposição. O PT, que já apoia Íris na prefeitura, participaria da coligação, embora Alcides acredite que só vá precisar dos petistas no segundo turno das eleições.

Se houver um acerto, Meirelles pode sair para governador e Íris, para o Senado, ou vice-versa. "Alcides disse ao presidente Lula, quando ele esteve em Itumbiara (GO), que fará o que ele quiser", assegurou um ministro. "Íris e Alcides vão se entender", aposta um outro auxiliar do presidente.

Quando foi candidato a deputado, em 2002, Meirelles foi o mais votado da base governista do Estado em 40 cidades. Ganhou também nas cidades mais populosas e importantes do ponto de vista econômico. Oito anos depois, ele pode sair candidato com o apoio do governo nos três níveis - federal, estadual e municipal (Goiânia) - para enfrentar um oponente - Marconi Perillo, de quem foi aliado em 2002 - que elegeu 50 prefeitos para o PSDB em 2008, mas viu seu partido perder a disputa nos principais centros econômicos do Estado.

Se alguém perguntasse a Henrique Meirelles, um ano atrás, antes, portanto, do advento da crise mundial, se ele gostaria de sair candidato ao governo de Goiás, ele diria, pedindo reserva ao interlocutor, que o pleito não estava nos seus planos - sua ambição era a presidência da República. Hoje, ele responderia que disputar o governo estadual é uma possibilidade, mas que ele só vai tomar uma decisão em março de 2010.

Uma deliberação importante teria que ser feita antes - a filiação partidária, em setembro. Pelo menos, três partidos - PP, PTB e PR - já teriam sondado o presidente do BC. O PMDB nacional também tem flertado com ele - o governador do Rio, Sérgio Cabral, e o ministro da Defesa, Nelson Jobim, gostariam de tê-lo no partido. O problema é que, por enquanto, o PMDB local, de Goiás, controlado por Íris Rezende, não demonstrou o mesmo entusiasmo.