Título: Reajustes ameaçam contas do DF
Autor: Medeiros, Luísa
Fonte: Correio Braziliense, 11/03/2010, Cidades, p. 34

Gastos com pessoal atingiram em 2009 o maiorpercentual desta década e se aproximaram do limite estabelecido na Leide Responsabilidade Fiscal. Três categorias já garantiram aumentosalarial neste ano

Nos últimos nove anos, o Governo do DistritoFederal (GDF) nunca comprometeu tanto a sua receita com o pagamento defuncionários públicos e comissionados. Em 2009, foram gastos com asdespesas de pessoal 43,35% dos R$ 10,254 bilhões arrecadados pelaSecretaria de Fazenda. Contratações e reajustes salariais ajudaram aempurrar para próximo da linha do limite a relação das contas doExecutivo local com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Se oinchaço da máquina pública continuar como tendência esse ano, o governocorre o sério risco de ficar no vermelho e ser proibido de fazer novasadmissões, aumentos e empréstimos.

Desde que o deputado Wilson Lima (PR) tornou-se governador interinodo DF há 15 dias, as pressões para aumento de servidores cresceram emesmo as categorias com acordos já negociados recomeçaram asmovimentações para conseguir melhores propostas do Palácio do Buriti.Representantes das mais variadas atividades Corpo de Bombeiros,policiais civis e militares, procuradores e defensores públicos, entreoutros já visitaram Wilson Lima no gabinete onde despacha, no 11ºandar do anexo do Buriti. As negociações sempre são apresentadas com ajustificativa de apoio à governabilidade do novo chefe do Executivo.

Há pedidos de reajuste salarial que alcançam o percentual de 120%,como o caso dos servidores do Metrô-DF. A reivindicação feita peloSindicato dos Delegados de Polícia (Sindepo) varia de 35% a 45%.Categorias mais ponderadas pedem melhorias que giram em torno de 6%.Independentemente do índice de reajuste, a resposta do governadorinterino para os pedidos, na maioria das vezes, é otimista para tentar,ao menos, estudar a demanda pleiteada. O governo está de portasabertas. Estamos recebendo as pessoas para ouvir as necessidades delas.O que vai ser cumprindo ou não vai depender da Lei de ResponsabilidadeFiscal e dos órgãos que têm que aprovar a proposta, argumentou osecretario da Fazenda, André Clemente.

Professores Há dois dias, a Câmara Legislativa aprovou, por unanimidade, duaspropostas de reajuste salarial vindas do GDF. Dentistas da rede públicareceberão 18,8%, distribuídos em duas parcelas. O índice trabalhado emnegociações anteriores com o governo era de 6 a 7%. Servidores doDepartamento de Trânsito do DF (Detran) também conquistaram aumento de6%, mas o pagamento será em parcela única. Na primeira semana da gestãoWilson Lima, os 44 mil professores ativos e inativos receberam umreajuste de 10,4% no contracheque.

De acordo com André Clemente, os reajustes aprovados serãosancionados pelo governador interino porque faziam parte do Orçamentode 2010. Na semana que vem, a Secretaria de Fazenda fecha a despesa depessoal prevista para este ano com as novas demandas. A LRF dá prazolegal até 3 de abril para autorizar o gasto. O valor programado paragasto com pessoal, até agora, é de R$ 6,133 bilhões da receita líquidacorrente.

Se depender do que estabelece a LRF, as novas promessas de aumentotêm chances de ficarem só no discurso. A lei prevê como limiteprudencial o gasto de até 46,55% da receita corrente líquida. O limitemáximo é de 49%. Caso ultrapasse isso, o governo fica impedindo depegar empréstimo internacional, fazer convênios com a União, ogovernador pode responder criminalmente e, se for culpado, perder osdireitos políticos. Projeções feitas pela Secretaria de Planejamento,às quais o Correio teve acesso, mostram que os gastos com pessoal podemchegar a 48% neste ano. A hipótese é levantada no seguinte cenário:caso a União pague o deficit de R$ 800 milhões do Fundo Constitucionaldo DF, prática considerada ilegal para alguns estudiosos. A segundahipótese, e mais otimista, é de queda no índice para 42%, caso o FundoConstitucional pague o R$ 800 milhões da folha de 2010 em 2011.

Os efeitos da tormenta são sentidos pela população. Na opinião doprofessor de Finanças Públicas da Universidade de Brasília (UnB) JoséMatias Pereira, o inchaço da máquina resulta em efeitos políticos deretorno de votos, mas quando chega no limite da lei é necessáriodemitir. Quando o Estado entra numa situação de inadimplência, abre aluz vermelha e não há como avançar nos três poderes. Caso isso ocorra,quem vai encontrar dificuldades é o próximo governante e a população,explicou.

Reajuste de 1%

O Fundo Constitucional do DF foi criado em2002 para pagar os gastos de pessoal e o custeio de saúde, segurança eeducação. O valor de 2010, estabelecido entre junho de 2008 e julho de2009, ou seja, no meio da crise financeira mundial, teve crescimento de1%. A média dos últimos anos ficou em reajustes por volta de 10%.

Visão do Correio Equilíbrio financeiro em risco

A austeridade na gestão das contas públicas édever de todo e qualquer governante. A própria Lei de ResponsabilidadeFiscal (LRF) é clara nesse aspecto, ao limitar o gasto com pessoal em49% das receitas. Foi criada justamente para pôr fim à tentação,inerente à maioria dos governantes, de conceder reajustes aofuncionalismo acima da capacidade financeira da unidade da Federação. Asituação é ainda mais delicada no caso do Distrito Federal, que seencontra sob ameaça de uma intervenção federal.

Pela gravidade da situação, o governador em exercício, Wilson Lima,não deve e não pode ceder às pressões para conceder reajustes adiversas categorias, inclusive sancionando projetos já aprovados pelaCâmara Legislativa. A adoção de tal política, que põe em risco oequilíbrio financeiro e o cumprimento da LRF, pode colocar o DF a umpasso da intervenção. A manutenção de uma política salarial austera écondição para se assegurar a governabilidade e possibilitar que o DFmantenha sua condição autônoma.

Outra resposta à ameaça de intervenção deve vir do PoderLegislativo, que precisa se declarar impossibilitado de dar posse aosuplente Geraldo Naves, preso na Papuda há quase um mês. Dar posse aalguém detido sob acusação de tentar subornar testemunhas representariaum acinte à sociedade, aumentando os danos já provocados à autonomiapolítica e institucional da capital da República.

O que diz a lei

A Lei de Responsabilidade Fiscal fixa oslimites que o chefe do Executivo pode gastar com a folha de pagamento.O percentual sobre a receita corrente líquida varia. De acordo com osartigos 19 e 20, nas unidades da Federação o percentual gasto comservidores do Legislativo (incluindo o Tribunal de Contas do Estado)não pode exceder 3%. No caso do Judiciário, o limite é 6%. Para oExecutivo, o teto fica em 49%, e para o Ministério Público, 2% dareceita corrente líquida. Quando o chefe do Executivo gasta até 95%desses limites previstos em lei com pessoal, ele fica impedido, peloartigo 22, de conceder aumento ou reajuste. Também não pode criarcargos ou fazer alteração de estrutura de carreira que implique aumentode despesa. Só pode contratar para repor as vagas deixadas porservidores das áreas de educação, saúde e segurança que se aposentaramou morreram. Também não pode contratar horas extras.

Novo presidente

O deputado Aguinaldo de Jesus (PRB) foi eleitoontem presidente da Comissão de Ètica da Câmara Legislativa. Oex-secretário de Esportes do governo de José Roberto Arruda (sempartido) retornou à Casa no último dia 2, na vaga ocupada pelo suplenteBispo Renato (PR) que estava no comando da mesma comissão. Aguinaldofoi um dos três distritais que faltaram à votação da abertura doprocesso de impeachment de Arruda, na semana passada.

A escolha do novo presidente teve o voto favorável de quatrointegrantes da comissão. Érika Kokay (PT), Raimundo Ribeiro (PSDB),Batista das Cooperativas (PRP) e o próprio Aguinaldo aprovaram anomeação. Após a eleição do presidente, os distritais acataram oparecer da Procuradoria-Geral da Câmara que referendou o sorteio donome de Érika para a relatoria do processo por quebra de decoroparlamentar da deputada Eurides Brito (PMDB). O parecer indicou, noentanto, que o prazo regimental para a distrital se defender deve sercontado como dias corridos, e não, como dias úteis, como foi divulgadoantes.

Eurides questionou à Procuradoria o sorteio e o prazo de 20 diascorridos para apresentar a defesa. Com a nova interpretação, a deputadaque aparece em vídeo recebendo dinheiro do ex-secretário de RelaçõesInstitucionais do GDF Durval Barbosa terá até 14 de abril para sedefender. O prazo anterior terminava no dia 1º de abril. Erika Kokayreafirmou ontem que deverá chamar Joaquim Roriz (PSC) e Durval paraajudar na apuração do processo contra a distrital peemedebista. (LM)