Título: Redução gradual da meta de inflação deve ser avaliada
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/05/2009, Opiniaõ, p. A10

Ao contrário do que afirmaram nas últimas semanas o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, não é prematura a discussão sobre a meta de inflação de 2011. Faltam apenas 30 dias para a reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) de 24 de junho, que vai dar a palavra final sobre o tema. A decisão, desta vez, é mais complexa do que nas anteriores. O que está em jogo é a meta do primeiro ano de mandato do próximo presidente da República. Embora o quadro eleitoral de 2010 seja ainda bastante incerto, parece adequado que os potenciais candidatos se posicionem, desde já, não só sobre o objetivo central da política monetária, mas também sobre o próprio regime de metas, um dos pilares da política macroeconômica.

É certo que uma meta de 4,5%, com um intervalo de tolerância de dois pontos percentuais para cima e para baixo, é alta demais, tanto para o padrão dos países desenvolvidos como o de emergentes. A Turquia, com uma meta de 7,5%, é uma rara economia que persegue uma inflação mais alta do que a do Brasil.

Uma aceleração de preços de 4,5% é muito elevada para que os agentes econômicos ignorem-na em suas decisões de preços e salários. Nesse nível, é mais intenso o uso de mecanismos de indexação, que exigem mais da política monetária para combater surtos inflacionários.

Em artigo publicado pelo "Valor" na sexta-feira, que marca os dez anos do regime de metas de inflação, o ex-presidente do BC Armínio Fraga, que introduziu o sistema no Brasil, defendeu que as autoridades promovam uma gradual redução das metas na direção dos percentuais observados em economias desenvolvidas. Em entrevista ao "Valor", também na sexta-feira, o professor Leonardo Leiderman, da Universidade de Tel Aviv, sugeriu que, seguindo os passos dados por Israel nos anos 90, o Brasil promova uma gradual e moderada redução da meta e do intervalo de tolerância. O ideal, afirmou, é que a meta fosse sendo reduzida em 0,25 ponto percentual a cada ano, começando com 4,25% em 2011.

Dentro do governo, há duas posições. Numa delas, o Brasil deveria, em meio a uma crise financeira de grandes proporções, abrir mão de reduzir a meta de inflação, pois a economia já tem pago um alto preço em termos de contração do PIB. A visão alternativa é que, justamente porque a economia está abaixo de seu potencial, o que deve ocasionar uma queda importante da inflação, o Brasil pode, de forma oportunista, estabelecer uma meta menor.

Há outros aspectos a serem considerados nessa discussão. Um deles é que, embora cadente, a inflação observada nos últimos 12 meses encontra-se em 5,53%, portanto acima da meta, de 4,5%. Índices divulgados recentemente, como o IPCA-15 de maio, mostram que a batalha contra a inflação não está vencida. O mercado futuro de juros continua a apostar que, em 2010, o BC terá que subir a taxa Selic, antecipando um quadro de aceleração inflacionária. Essas projeções parecem exageradas, dado o alto nível de ociosidade com que opera a economia, mas de qualquer forma estão incorporadas aos preços dos ativos. Deve-se pesar o risco de, com uma meta menor, os juros futuros embutirem um prêmio ainda maior para compensar a hipótese de novo aperto monetário.

De outro lado, deve-se ponderar que, embora a inflação corrente esteja relativamente alta, as expectativas estão bem ancoradas. A inflação esperada encontra-se em 4,33% tanto para 2009 quanto para 2010. Para 2011, a projeção é de 4,5%, mas são grandes as chances de ela recuar caso seja fixada uma meta menor, desde que crível.

O assunto merece ser debatido com profundidade e tempo. Pode-se afirmar de antemão que, na hipótese de o governo se inclinar por reduzir a meta, os princípios de moderação, gradualismo e flexibilidade serão essenciais. Não seria adequado promover uma rápida convergência da inflação aos padrões dos países desenvolvidos. É desaconselhável reduzir a meta em mais do que 0,25 ponto percentual por ano. E a busca por uma meta menor deve ser feita com flexibilidade suficiente para acomodar mudanças no cenário econômico, como uma eventual aceleração mundial da inflação.