Título: Câmara evita empossar preso
Autor: Tahan, Lilian
Fonte: Correio Braziliense, 11/03/2010, Cidades, p. 35

Embora a Procuradoria-Geral da Casa Legislativa afirme ser legal Geraldo Naves assumir o mandato de deputado, a Mesa Diretora protela a convocação do jornalista, que está há quase um mês na Papuda

Os distritais não querem passar peloconstrangimento de dar posse a um colega preso. Apesar da divulgação deparecer da Procuradoria-Geral da Câmara Legislativa a favor do direitode Geraldo Naves (DEM) em assumir a vaga de titular, os deputadosevitam publicar a convocação do suplente. Ela poderia ter ocorrido logoem seguida à renúncia de Júnior Brunelli (PSC), no último dia 2. Peloregimento interno da Casa, o prazo máximo para essa chamada é de 48horas. Mas, para adiar um possível desgaste político, a Mesa Diretoraainda não resolveu o que fazer.

A opinião da Procuradoria no caso de Geraldo Naves só aumentou atensão sobre o assunto na Câmara. Os distritais estão divididos entreos que não aceitam, em hipótese alguma, a convocação do substitutoencarcerado e aqueles a favor da publicação do ato, mesmo que aconsequência possa precipitar a posse de um deputado em circunstânciasinusitadas. As duas correntes, no entanto, se chocam com os interessesdo pretendente a distrital.

O suplente (leia memória) não abre mão da vaga de titular. Mas vaiusar todo o tempo que tiver para não ser o primeiro deputado emBrasília a tomar posse de dentro da Papuda. Pretende, antes,se livrarda cadeia. Na tarde de terça-feira, a defesa do político entrou compedido de relaxamento da prisão preventiva. O recurso ainda não foijulgado. Se ele tem um prazo previsto no regimento interno, por quenão usá-lo? Ele quer retornar à Câmara como saiu de lá, limpo, diz oadvogado Ronaldo Cavalcanti. Geraldo Naves teve a prisão preventivadecretada por suspeita de participação na suposta tentativa de subornodo jornalista Edson Sombra. A denúncia também levou à prisão JoséRoberto Arruda e mais quatro assessores próximos ao governadorafastado.

Não é justo O presidente da Câmara Legislativa, Cabo Patrício (PT), é um dosque não concorda em dar posse a Naves. Por isso, até hoje não autorizouque a convocação fosse publicada no Diário da Câmara Legislativa,momento em que se inicia a contagem do prazo de 30 dias, prorrogáveispor igual período, para que o substituto assuma o cargo. Não é justo agente passar por esse tipo de constrangimento. É um desgaste que nãopertence à Câmara Legislativa. Se ele quer a vaga, deveria fazer umaprovocação à Justiça, sugere o chefe do parlamento local.

Apesar de o presidente da Câmara ser contrário à convocação, oassunto será decidido em conjunto pela Mesa Diretora. E provavelmenteele será voto vencido entre os colegas do comando. Milton Barbosa(PSDB), Batista das Cooperativas (PRP) e Raimundo Ribeiro (PSDB) achamque a chamada do suplente deve ser formalizada. Para que as opiniõessejam confrontadas, é necessária uma reunião da Mesa Diretora,prerrogativa de Cabo Patrício, que chefia o Legislativo. O encontro nãotem data marcada.

Próximos passos O consenso entre os integrantes da Mesa Diretora passará pela formacomo se dará os passos seguintes à convocação de Naves. Os distritais,mesmo aqueles favoráveis à publicação do ato no Diário da Câmara, nãoquerem pedir a autorização de custódia ao Superior Tribunal de Justiça(STJ) antes de o deputado confirmar oficialmente o interesse em ocupara vaga na Câmara. A permissão do STJ é uma exigência legal para aposse, já que Naves teria de ser mantido preso sob a responsabilidadedos distritais.

Nesse estágio, a Mesa Diretora deverá recorrer ao parecer daProcuradoria-Geral que apesar de ter opinado a favor da convocação deNaves não vinculou o ato ao pedido de autorização na Justiça. Oprocurador-geral Fernando Nazaré apenas cita a necessidade de consultaao STJ sem determinar o agente responsável pela iniciativa nem omomento que a mesma deva ser tomada. O procurador comenta que, nahipótese de a autorização do Judiciário não sair, a Câmara deveráchamar o suplente seguinte da ordem de convocação. Esse nome seria ode Washington Mesquita, que se recusou a votar no processo deimpeachment de Arruda com o argumento de que a vaga pertencia pordireito a Geraldo Naves.

Memória Ascensão e queda

O jornalista Geraldo Naves ex-apresentadordo programa policial Barra Pesada é o segundo suplente do DEM naCâmara Legislativa. Ele assumiu a vaga de deputado distrital váriasvezes, a última das quais em 22 de dezembro do ano passado, quandoPaulo Roriz voltou para a Secretaria de Habitação. Em 11 de janeiro,Naves conseguiu um posto importantíssimo dentro da Casa. Foi eleitopresidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), entãoencarregada de analisar a admissibilidade dos pedidos de impeachment deJosé Roberto Arruda (sem partido).

A escalada de poder de Geraldo Naves não parou por aí. Em 27 dejaneiro, Alírio Neto deixou o bloco do PMDB e, com isso, a presidênciada CPI da Codeplan, que investigaria denúncias de corrupção noExecutivo nos últimos 19 anos. O bloco peemedebista indicou Naves paraintegrar a comissão. A derrocada do parlamentar começou poucos diasdepois, em 5 de fevereiro. Ao se ver envolvido no escândalo datentativa de suborno do jornalista Edson Sombra, Naves saiu das duascomissões e pediu afastamento da Câmara. Acabou preso em 12 defevereiro e, desde então, está na Papuda.

Dispensa de licença

Uma proposta de emenda à Lei Orgânica doDistrito Federal apresentada ontem à Mesa Diretora da CâmaraLegislativa sugere que a Justiça tenha o poder de processar ogovernador ou o vice sem antes pedir autorização aos distritais. Amudança, se for aprovada na Casa, pode atropelar o rito previsto para aabertura de processo contra José Roberto Arruda e encurtar o prazo paraque ele passe a ser réu em ações penais decorrentes das investigaçõesda Caixa de Pandora. Com as regras atuais, a estimativa para que aCâmara permita a abertura desses processos é de um mês.

A consulta à Câmara Legislativa em caso de processo contra ogovernador está amarrada no Artigo 60 da Lei Orgânica. Para alterar oitem, é necessária a aprovação de uma emenda por maioria absoluta (doisterços) dos deputados, ou seja com a anuência de, pelo menos, 16parlamentares. Na tarde de ontem oito distritais se mostraramfavoráveis ao projeto.

Milton Barbosa (PSDB), Érika Kokay (PT), Cabo Patrício (PT), AyltonGomes (PR), Eliana Pedrosa (DEM), Alírio Neto (PPS) e Rogério Ulysses(PSB) assinaram proposta de autoria do deputado José Antônio Reguffe(PDT), sugerindo a alteração na legislação do DF. Quando um cidadãocomum é acusado de algum crime, é processado pelo poder público. Com ogovernador não deve ser diferente. O Brasil não pode ser um país dedois pesos e duas medidas, considerou Reguffe.

Outros parlamentares, como o de Chico Leite e de Paulo Tadeu, ambosdo PT, se posicionam a favor da proposta. Chico Leite já havia,inclusive, manifestado interesse em elaborar proposta com o mesmo teor.Assim, faltariam em tese os votos de seis distritais para garantir aaprovação da emenda.

Regimento Uma vez aprovada a revogação do Artigo 60, a mudança tornaria semefeito o rito processual que se iniciou a partir da chegada do pedidodo STJ para processar Arruda. Com a provocação da Justiça, o regimentointerno da Câmara estabelece que a Comissão de Constituição e Justiça(CCJ) da Casa se manifeste sobre o pedido. Para tanto, a CCJ é obrigadaa dar um prazo de defesa ao acusado, no caso, Arruda.

Como foi notificado ontem pela procuradora Patrícia Vieira, ogovernador afastado e preso terá 10 dias para se pronunciar. Caso não ofaça, a própria comissão designará um defensor. Depois, ainda há maisum período de 10 dias para que o relator do caso elabore um parecer. Háuma tese defendida por juristas na Câmara de que a emenda ao Artigo 60não valeria para a situação de Arruda, pelo princípio daretroatividade, segundo o qual alterações em matérias de natureza penalnão podem prejudicar o réu. (LT)

Decreto emperrado

» Antes da proposta de emenda à Lei Orgânica, osdeputados já haviam sugerido um projeto de decreto legislativoautorizando o STJ a processar o governador afastado e preso JoséRoberto Arruda no âmbito do Inquérito nº 650. Mas a proposta acabouemperrada em função da polêmica sobre sua validade prática. O projetode decreto legislativo pode ser aprovado com o mínimo de sete votos,por maioria simples. Mas o expediente é usado, em geral, para assuntosde natureza interna da Câmara e não tem força de lei. Portanto, ainiciativa foi encarada como uma demonstração de vontade política, massem o peso necessário para evitar o rito de consulta à Câmara.

Inconstitucionalidade

Tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) umaAção Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra o Artigo 60 da LeiOrgânica do DF, que determina que o governador distrital só pode seralvo de ação penal mediante autorização da Câmara Legislativa. A Adinainda não foi julgada.

O que diz a lei

O argumento da Procuradoria-Geral da CâmaraLegislativa para se posicionar a favor da convocação de Geraldo Naves mesmo estando o suplente preso na Papuda se baseia no inciso V,Artigo 55 da Constituição Federal, segundo o qual o deputado perderá omandato quando decretar a Justiça Eleitoral. Como interpretou oprocurador Fernando Nazaré, a prisão preventiva de Naves não interfereno âmbito eleitoral e nem implica perda dos direitos políticos. Assim,enquanto não houver determinação de afastamento, ele poderá permanecercomo deputado distrital, considerou Nazaré em seu parecer. O inciso VIdo mesmo artigo constitucional ainda estabelece que o impedimento paraassumir o mandato em virtude de decisão judicial exige o trânsito emjulgado da decisão, o que não condiz com a prisão preventiva.