Título: BB usa microcrédito para crescer
Autor: Robinson Borges
Fonte: Valor Econômico, 09/03/2005, Finanças, p. C1

Os programas de microfinanciamento no Brasil não devem ser vistos apenas como política de inclusão social, mas também como estratégia no projeto de expansão do mercado para as instituições bancárias. Essa é a opinião de Ivan Guimarães, presidente do Banco Popular do Brasil (BPB), subsidiária do Banco do Brasil. "As classes A, B e C+, clientes dos bancos tradicionais, são um segmento saturado. Por outro lado, haverá a ascensão social de até 15 milhões de pessoas das classes C- e D+ para a classe C em dez anos", diz Guimarães. "Temos de apostar nesse segmento e trazê-lo para o conglomerado." Em dois anos, o BPB estima que 8,5 milhões de pessoas serão clientes da instituição, que começou suas operações no segundo semestre de 2004. Para Enrique Iglesias, presidente do Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID), essa medida é relevante para o desenvolvimento do sistema financeiro. "Trazer pessoas que não dispõem de acesso a bancos para o sistema financeiro proporcionaria a um incontável número de famílias oportunidades para acumular poupanças que podem ser usadas em emergências, tempos difíceis ou na velhice. A competição estimula efetivamente o desenvolvimento de microfinanciamento", disse Iglesias ao Valor. O primeiro passo do BPB para conquistar os correntistas - habitantes de lugares distantes dos centros, sem comprovação de renda e sem endereço fixo - foi criar um sistema que se aproximasse da população carente e que reduzisse o atual custo das operações. "Instalamos cerca de seis mil correspondentes bancários em lojas, mercadinhos, farmácias e grandes varejistas da periferia das regiões metropolitana. Até 2007, pretendemos chegar a 20 mil pontos de venda", afirma Guimarães, que contesta críticas feitas por Muhammad Yunus, "pai" do sistema microcrédito, em entrevista ao Valor, na semana passada. Yunus, fundador do Grameen Bank - destinado a microempréstimos em Bangladesh-, recomendava que as instituições de microfinanciamento brasileiras deveriam bater nas portas dos novos clientes para conquistá-los. "Estamos fazendo isso", diz o presidente do BPB. Para se aproximar dos novos clientes, o Banco Popular implantou o modelo de pontos de venda, que exigem apenas um aparelho, similar aos usados pelas operadoras de cartão de crédito, e podem ser administrados pelos próprios funcionários dos estabelecimentos comerciais. Cada máquina custa cerca de R$ 1.500, valor inferior ao de um caixa eletrônico, estimado em R$ 50 mil. Como contrapartida aos serviços prestados, as lojas recebem um valor que varia de R$ 0,08 a R$ 0,59 por transação bancária. Os balconistas das lojas também têm a função de auxiliar os clientes seguindo instruções do BPB. De acordo com Guimarães, eles estão preparados até para atender analfabetos. Mas o sistema tem outro benefício: não exige a utilização dos carros-fortes, pois o dinheiro usado para transações é do próprio estabelecimento. Com a redução dos custos operacionais a 35% do valor gasto por um banco convencional ou por organizações de microcrédito, é possível diminuir os juros cobrados dos clientes para o patamar de 2% ao mês, em média. Os juros chegam a ser 50% mais baixos do que os praticados no mercado. O alto grau de exigência burocrática normalmente feita aos clientes também teve suas condições reduzidas ao mínimo. "Só vetamos o cliente se ele tiver seu nome no Sistema de Proteção ao Crédito (SPC) por ter passado cheque sem fundo. Desconsideramos até incidências por não pagamento de contas telefônicas e de luz, grande nestas classes", diz Guimarães. A partir de abril, os clientes do Banco do Brasil também serão beneficiados por este sistema, pois poderão usá-los. "Teremos a maior rede de atendimento do país", diz. Os clientes do BPB têm direito a movimentar até R$ 1.000 por mês. Ao se tornar cliente, a pessoa adquire crédito de R$ 50, que pode ser pago em seis meses. Se os pagamentos forem feitos regularmente, o cliente amplia seu crédito em 100% e, assim, sucessivamente. O limite é R$ 600. A inadimplência verificada até agora é de 4,5%. Até o mês passado, 350 mil créditos foram realizados, sendo que a cada dia são feitas cinco mil operações. "Temos de compreender nosso público de acordo com seu comportamento. Só podemos fazer isso analisando a curva de aprendizado deste novo tipo de cliente", afirma o presidente do BPB. A curva de aprendizado já mostrou que 30% dos clientes atrasam os pagamentos. Isso porque a maioria é do mercado informal, o que implica variação na renda. "Eles também estão aprendendo a lidar com crédito", comenta Guimarães. "O microcrédito é relativamente caro porque seu processamento consome muita mão-de-obra e não é segurado. Entretanto, à medida que as pessoas honram seus empréstimos pontualmente e acumulam bons históricos de crédito, as instituições microfinanciadoras tendem a oferecer-lhes empréstimos maiores a termos mais favoráveis, porque desejam conservar bons tomadores de empréstimos como clientes", diz Iglesias. Guimarães avalia que a conquista de novos clientes para para o sistema bancário é fundamental para a trajetória de longo prazo das instituições. "A fidelidade no setor é grande. Os bancos investem em contas para universitários porque mais tarde eles vão ganhar dinheiro e usarão os serviços do banco que apostou neles", diz Guimarães. A migração de classes prevista pelo Banco Popular seria um efeito colateral da elevação constante do PIB prevista para ocorrer ao longo da próxima década. O crescimento econômico aliado ao saneamento da economia e à queda dos juros básicos da economia também deverão conduzir os bancos a deslocar o foco nas operações de tesouraria - responsável pelos lucros do setor atualmente - para a área de serviços bancários clássicos. "Como um banco vai ganhar dinheiro sem os títulos públicos como ocorre hoje? Vão ser obrigados a voltar a ser bancos, ter de correr riscos e emprestar dinheiro", diz Guimarães.