Título: Nova lei pode ferir código de ética
Autor: Cristine Prestes e Thiago Vitale Jayme
Fonte: Valor Econômico, 09/03/2005, Legislação & Tributos, p. E1
O temor dos advogados de que as alterações na Lei nº 9.613, de 1998, incluíssem a obrigação de "delatar" seus clientes se tivessem conhecimento de operações suspeitas de lavagem de dinheiro foi afastado pelo Ministério da Justiça. O anteprojeto de lei em estudo no Gabinete de Gestão Integrada de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro - formado por órgãos do governo federal, Poder Judiciário e Ministério Público - aumenta o rol de pessoas físicas e jurídicas obrigadas a informar os órgãos de controle, mas não mais inclui os advogados. A polêmica surgiu porque a primeira versão da minuta do anteprojeto em debate colocava os advogados na lista das fontes de informações das investigações sobre lavagem de dinheiro, com a previsão de que eles seriam obrigados a delatar operações suspeitas de seus clientes. A grita de advogados foi grande. Argumentou-se que tal redação ofendia o Código de Ética da advocacia, que prevê o sigilo profissional não apenas como prerrogativa mas também como obrigação. A lista de entidades obrigadas a informar operações suspeitas, que consta do artigo 9º da Lei de Lavagem de Dinheiro em vigor, é formada por seguradoras, corretoras de seguros, bolsas de valores, empresas de leasing e factoring, administradoras de cartões de crédito e vários outros setores da economia e agentes financeiros. A idéia inicial era incluir também os advogados nessa lista. Mas, diante dos protestos, o atual texto do anteprojeto inclui como obrigadas a informar as operações "as pessoas físicas e jurídicas que prestem serviços de assessoria, consultoria, contadoria ou auditoria de qualquer natureza". A previsão está no inciso XIV do artigo 9º do anteprojeto. De acordo com Antenor Madruga, diretor do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça, a previsão inicial decorria do fato de existir, entre as recomendações do Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro (GAFI), organismo internacional que funciona no âmbito da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o cerco aos chamados "gate keepers", ou portas de entrada da lavagem de dinheiro em um país - entre elas os escritórios de advocacia. A recomendação, no entanto, é aplicada apenas em países onde o sigilo profissional não é previsto em lei interna. De acordo com o advogado Antônio Fernando Pinheiro Pedro, é o caso dos Estados Unidos, onde os advogados, se chamados, precisam testemunhar inclusive contra seus próprios clientes. "Aqui no Brasil, pelo contrário, se prevê o sigilo profissional", diz. "O próprio ministro da Justiça (o advogado criminalista Márcio Thomaz Bastos) tem isso muito presente", afirma Madruga. Madruga explica que, pelo texto atual do anteprojeto, os advogados são obrigados a informar operações suspeitas apenas nos casos em que atuam em áreas similares a dos bancos, por exemplo. É o caso de "due dilligences", quando são chamados a avaliar financeiramente uma empresa prestes a se adquirida. "Nestes casos eles se igualam aos bancos", afirma. A nova previsão do texto do anteprojeto, no entanto, é igualmente polêmica. "Mesmo nesses casos, no que tange aos advogados esse é um serviço especializado, mas de natureza jurídica, ou seja, eles devem respeitar as leis do sigilo também", afirma o advogado criminalista Celso Vilardi. "Embora o advogado também atue na área de consultoria, entendo que está preservado o direito ao sigilo do cliente", concorda o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato. Busato lembra da importância do sigilo na relação dos advogados com seus clientes. " advogado precisa conhecer os atos do cliente para poder defendê-lo", diz. E vai além: "A falta de segurança do cliente no advogado implica na quebra do pleno direito de defesa do cidadão, aí a discussão entra dentro de um dos pilares da nossa Constituição", completa. A ampliação da lista de fontes de informação é considerada pelos integrantes dos grupos de trabalho como ponto de difícil aprovação no Congresso Nacional. Ontem, em debate de juízes federais sobre o anteprojeto no Conselho de Justiça Federal (CJF), os magistrados chegaram inclusive a expor essa preocupação com o ministro Ari Pargendler, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).