Título: Sem razões para o pessimismo
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 10/03/2005, Brasil, p. A2

Depois de ter crescido 5,2% em 2004, a economia brasileira parece ter diminuído o fôlego nos últimos meses, mas não está em apuros. Em 2005, segundo o IPEA, deve crescer 3,5%. Esta é, segundo especialistas, uma projeção conservadora. Se nenhuma tragédia acontecer nos próximos meses, a tendência é que, em 2006, o PIB volte a expandir a uma taxa próxima ou superior a 5%. Não dá para falar, portanto, em desaquecimento. As condições para o crescimento permanecem inéditas - contas externas equilibradas, inflação controlada, investimento e produtividade em alta, política fiscal austera. "O que ocorre é uma acomodação do ritmo de crescimento num nível mais baixo. Isso era esperado, não apenas pelo aperto monetário iniciado em setembro, mas também pela própria base de comparação. Não vejo nenhum sinal mais sério de desaquecimento", diz o ex-presidente do Banco Central Carlos Langoni. Quando, em maio do ano passado, ainda predominava uma forte desconfiança quanto à retomada do crescimento, outro ex-dirigente do BC - Chico Lopes - previu que a recuperação seria robusta e, melhor, sustentável. Sua aposta era a de que, sem o freio imposto pelo BC, a economia cresceria 6% ao ano. Agora, Lopes, mesmo achando que o BC pode ter errado a mão dos juros, acredita que a expansão do PIB em 2005 ficará em torno de 4%. "Se o BC voltar a baixar juros, como todo mundo espera, e baixar com a mesma disposição com que aumentou, o cenário para 2006 voltará a ficar bom e, aí, podemos voltar a ter taxas mais próximas de 5%", diz o ex-presidente do BC. "Estou menos otimista do que estava há um ano, mas ainda mais otimista em relação a 2005 do que a média do mercado." Juros, demanda externa e fatores como o preço do petróleo determinarão o ritmo da recuperação. No caso dos juros, o Banco Central já sinalizou que poderá promover mais um aumento na taxa Selic, antes de deixá-la estável por um certo período e de iniciar, depois disso, movimento de redução. A demanda externa, ao contrário do que se previa no fim do ano passado, segue forte, puxada, mais uma vez, pelo crescimento da economia americana, que expandiu 4,3% em 2004 e deverá crescer 3,7% neste ano, o que é uma enormidade, em se tratando de Estados Unidos. As grandes nações emergentes continuam crescendo a taxas fabulosas. O fato é que a economia mundial continuará aquecida, mesmo com a União Européia e o Japão crescendo menos. O preço do petróleo é uma dúvida, uma vez que continua num patamar elevado, mas, na opinião de especialistas, deverá ceder porque está num nível altamente especulativo. Diante disso, não há razão para o redivivo pessimismo das últimas semanas. Ninguém jamais poderá afirmar taxativamente que o BC errou quando decidiu iniciar, em setembro, uma série de aumentos na taxa básica de juros. Ninguém tem mais informações que o BC e é da natureza das autoridades monetárias, principalmente das que estão comprometidas com o cumprimento de metas, adotar postura conservadora.

Nações emergentes crescem a taxas altas

"O BC está dentro da sua operação com base na meta inflacionária. Pessoalmente, acho talvez que não precisasse ter elevado tanto os juros, mas é mais fácil ter essa opinião de fora porque o BC, naturalmente, dá um valor grande ao risco de errar. Sempre prefere errar por excesso do que por falta", observa Chico Lopes, acrescentando que, se a meta de inflação fosse de 6%, em vez de 5,1%, o aperto não precisaria ter sido tão rigoroso. Langoni pensa diferente. Para ele, o BC não errou. "É preciso lembrar que os índices gerais de preços chegaram a uma incômoda faixa de dois dígitos. Isso hoje em dia é uma exceção. Dos países emergentes, apenas três têm inflação nesse nível - Venezuela, Egito e Rússia", argumenta ele. "Se o BC não tivesse atuado, provavelmente teríamos hoje uma inflação de dois dígitos cristalizada. Isso contaminaria os indexadores das tarifas públicas, afetando os índices de inflação para frente. Quanto mais rápido e firme o BC atua, menor é o custo social da política de controle da inflação." Chico Lopes levanta uma questão interessante sobre as conseqüências do possível exagero do BC nos juros. Antes de iniciar a alta da Selic, o banco vinha operando o regime de metas de inflação com livre flutuação do câmbio. Agora, opera a meta com intervenções eventuais no câmbio, comprando reservas. Faz isso para impedir que a taxa de câmbio caia ainda mais. "Se o BC parar de comprar reservas, esse dólar vai a 2,20." fato é que, ao aumentar as reservas cambiais, o BC reduz o endividamento do setor público em dólar. "Se comprar na velocidade com que vem comprando - cerca de US$ 5 bilhões por mês -, o BC zera o endividamento em dólar em um ano. Para o investidor estrangeiro, isso reduz o risco de calote do Brasil. O risco-país, portanto, tende a cair, como estamos vendo agora", explica Lopes. A queda do risco-país, por sua vez, pressionará para baixo a taxa de câmbio, o que deverá obrigar o BC a comprar mais reservas e, assim, impedir novas quedas do dólar. "Na verdade, o BC não está operando a meta inflacionária de forma pura porque a idéia da meta é que o BC só pense na meta (nos juros). Os outros preços são dados pelo mercado, mas ele está interferindo para não deixar o dólar cair. Isso reduz a eficácia dos juros porque a queda do dólar no curto prazo é um dos principais mecanismos para reduzir a inflação", raciocina o ex-presidente do BC. O lado positivo desse processo é que o país acumula reservas e, assim, diminui ou mesmo elimina uma de suas vulnerabilidades, que é não dispor de um colchão de liquidez para enfrentar momentos de crise. O risco é que a política atual está estimulando uma forte entrada de dinheiro especulativo. "Quando o governo baixar os juros ou se houver uma turbulência, esse dinheiro pode querer sair e o dólar dar um pulo. A pergunta é: nesse cenário, o que faz o BC? Vende de novo as reservas? Deixa o câmbio pular? A inflação sobe e ele é obrigado a aumentar os juros", indaga. Para o ainda otimista Chico Lopes, esse é o risco da atual política econômica. "Há um certo artificialismo nessa situação que é conseqüência de os juros estarem muito altos. Isso pode complicar a gestão do BC mais para frente", adverte.