Título: Fundos na encruzilhada
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Fonte: Valor Econômico, 27/05/2009, EU & Investimento, p. D1

O setor de fundos de investimento no Brasil e no mundo passa por uma fase de fortes mudanças. No exterior, a crise dos mercados fez o setor perder US$ 10 trilhões em patrimônio, 25% do total, e deve demorar alguns anos para se recuperar. Já no Brasil, onde os saques foram menores, a questão é a adaptação a um cenário de juros baixos, redução de custos e maior diversificação, em que os fundos de renda fixa terão um papel mais modesto.

Uma das preocupações do setor é a tributação. Por isso, a Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid) levou ao governo há um mês uma proposta de reformulação dos impostos que incidem sobre as carteiras, afirma Marcelo Giufrida, presidente da entidade. "Acreditamos que a tributação tem de ser neutra, ou seja, não queremos menos imposto, mas também queremos ter condições de competir com outros investimentos", explica ele, que participou ontem do 5º Congresso Anbid de Fundos de Investimento.

Giufrida lembra que a atual legislação, de alíquotas decrescentes de imposto de renda pelo prazo - de 22,5% até seis meses, 20% de seis a 12 meses, de 17,5% de 12 a 24 meses e 15% acima de 24 meses - foi criada em 2002 e, de lá para cá, o mercado mudou. "Os juros caíram, houve o fim da CPMF, a presença de títulos de renda fixa privada nas carteiras cresceu muito e a de títulos públicos caiu para 40%."

Entre as propostas levadas ao governo está a de mudar a periodicidade do come-cotas - imposto que incide sobre os ganhos de fundos renda fixa e DI -, de semestral para anual. "Isso reduziria bastante nosso custo administrativo e a desvantagem em relação aos CDBs e alguns papéis do Tesouro, que só pagam imposto no resgate", diz Giufrida. Outra proposta é eliminar a tributação mais alta que incide sobre fundos de investimento que aplicam em papéis mais curtos. Isso significaria o fim da diferenciação entre os fundos de longo prazo, que aplicam em papéis com duração média de mais de 360 dias, e cuja alíquota mínima é 15%, e os de curto prazo, que compram papéis mais curtos e pagam no mínimo 20% de imposto de renda. "Como os títulos públicos têm hoje prazo médio de 40 meses, não precisaria haver essa diferenciação", defende Giufrida.

A Anbid quer também eliminar a tributação nas aplicações de estrangeiros em títulos públicos via fundos. Hoje, os estrangeiros são isentos se comprarem os papéis diretamente, mas pagam imposto se aplicarem em fundos. Outra proposta é simplificar a tributação dos títulos de renda fixa, que hoje incide sobre parcelas pagas pelo papel, o que dificulta sua negociação no mercado secundário. "Hoje os papéis de renda variável, como ações, tem tributação simples, o que ajuda a aumentar os negócios."

Giufrida admite também que a queda da taxa de juros e as mudanças propostas pelo governo, de tributar cadernetas de poupança acima de R$ 50 mil, tornarão a poupança bastante competitiva em relação aos fundos de renda fixa ou DI para valores menores. "Isso fará com que as pessoas migrem de fundos para poupança também", diz. Segundo ele, os gestores terão de ser mais criativos para compensar essa vantagem da caderneta. "Mas já tivemos competição grande de outros produtos, como dos CDBs em 2003 e 2008, não é uma coisa nova."

No exterior, a recuperação dos fundos dependerá principalmente de dois fatores: a retomada dos mercados acionários e a volta da confiança dos investidores, afirma Guilherme Lima, sócio da consultoria McKinsey. "Houve uma crise de confiança e de liquidez que levou o setor de fundos americano a perder US$ 4 trilhões, de um total de US$ 16 trilhões", afirma ele, lembrando que desde 1970 o setor de fundos americano não registrava saída líquida (descontada a rentabilidade) de recursos do setor.

Segundo ele, a crise deve levar a uma mudança estrutural do setor. Em uma pesquisa feita com investidores americanos, a consultoria constatou que 60% acham que o mercado acionário não será opção de investimento pelos próximos 30 anos. Já entre investidores próximos da idade de aposentadoria, 35% estão adiando por três anos a saída do trabalho. E isso deve obrigar o setor de fundos a oferecer aplicações de menor risco e com maior transparência.

Com a crise de confiança, haverá também uma volta para os investimentos mais tradicionais, como a compra direta de ativos pelos investidores. "Isso afetará os distribuidores - como private banks -, que terão de investir mais no aconselhamento financeiro independente, que ganhará valor", diz Lima, enquanto o gestor de fundos perderá espaço. Deve ocorrer também uma concentração na distribuição de carteiras, uma vez que muitos bancos foram afetados pela crise. Outro complicador para o setor de fundos será o aumento da regulação que se seguirá à crise. A busca pelo maior controle dos riscos, mais prestações de contas e até exigências de capital significará também um aumento de custos das carteiras justamente em um momento em que os clientes estarão negociando menores custos de administração.

Na avaliação de Lima, os fundos mundiais devem recuperar o volume de depósitos de 2007, de US$ 40 trilhões, possivelmente apenas em 2012 ou 2013, isso num cenário um pouco mais otimista, de retomada das bolsas a partir do ano que vem - 8% no G7 e 12% nos emergentes - e taxas de juros nos níveis atuais. Se o cenário piorar, com juros mais altos, por exemplo, essa recuperação ficará para depois de 2015.

No Brasil, a perda de patrimônio dos fundos foi em torno de 1%, em razão de grande parte do setor ser constituído por carteiras de renda fixa. "A rentabilidade dessas carteiras compensou os resgates em ações e multimercados", explica Lima. Mas, por esse mesmo motivo, a expectativa de crescimento do setor fica menor. "Com a queda dos juros, deve ocorrer uma mudança no perfil de ganho dos gestores e das carteiras", afirma. Os investidores não terão mais a comodidade de obter retornos de dois dígitos ao ano com aplicações simples e sem risco. "E deve aumentar a pressão sobre distribuidores e gestores por ganhos."

No caso dos distribuidores, eles serão obrigados a definir melhor os objetivos dos investidores, o horizonte das aplicações, além do apetite por risco para buscar mais diversificação e ganhos maiores. "O aconselhamento financeiro vai ter de ser mais profundo e os bancos terão de conhecer melhor seus clientes", diz Lima. A queda da taxa de juros deve também acabar com uma das manias do mercado: a de comparar o ganho da renda variável com o da renda fixa, ou seja, o CDI. "Vai parar essa coisa que é como comparar laranja com abacaxi."

A vantagem para os gestores brasileiros é que há um potencial grande de crescimento da renda variável. Segundo Lima, as aplicações em renda variável representam apenas 6% do PIB brasileiro. "Mesmo que cheguemos aos níveis de Portugal ou Espanha, já haveria espaço para dobrar ou triplicar a parcela de renda variável", diz. Com base nessas estimativas, ele espera uma mudança no perfil do ganho dos gestores. As receitas de renda fixa, que hoje representam 62% do total, devem cair para 42% em 2013 com os juros menores e a pressão por redução das taxas de administração. Já a receita com fundos de renda variável deve crescer de 15% para 29% e, nos multimercados, de 23% para 29% também. Isso considerando um aumento de patrimônio da renda variável de 27% ao ano até 2013, para 14% dos multimercados e 11% para a renda fixa. Esses números significariam dobrar o patrimônio.