Título: Afluxo de capitais externos à Bolsa pode não durar muito
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 28/05/2009, Opinião, p. A10

Um dos sinais mais importantes da vitalidade da economia brasileira em meio à crise foi dado ontem pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Pela primeira vez desde que assumiu o BC, em 2003, ele apontou que "a queda da taxa de juros real que estamos experimentando no Brasil é não apenas conjuntural, mas também estrutural". A constatação é ainda mais relevante em função das das incertezas que ainda rondam o cenário internacional. É reconfortante saber que, mesmo em meio à mais grave crise global em quase um século, a tendência dos juros é declinante, e não ascendente, como há apenas dez anos. A inflação está domesticada e a pressão baixista do dólar reforça a a perspectiva de contenção dos preços, que permitirá ao BC operar com taxas historicamente baixas em um horizonte de tempo muito mais amplo, se nenhuma catástrofe voltar a ocorrer lá fora.

Essa tranquilidade não está isenta de problemas, causados pela relativamente boa performance do país. Há uma evidente corrida do capital externo rumo às ações brasileiras, que se tornou mais evidente em maio. O investimento externo em renda fixa, que seria mais tentado a cobiçar os ainda altos juros brasileiros, apresentou queda de US$ 3,89 bilhões no quadrimestre encerrado em abril. Em maio, até o dia 26, começou também a subir. Com rentabilidade perto dos 40% no ano até ontem, a bolsa brasileira é um dos melhores negócios do mundo. O preço pago é a valorização do real, que ontem chegou a ser cotado durante o dia abaixo dos R$ 2 por dólar, forçando a compra de dólares pelo BC. É difícil saber até onde vai o fortalecimento do real, mas é possível que não tenha grande fôlego.

A pressão cambial decorre de um movimento quase generalizado de diminuição das saídas de dólares e da entrada abrupta e maciça de divisas em poucas rubricas. Entre os dados mais relevantes estão a queda pela metade, no quadrimestre, da remessa de lucros e dividendos, de US$ 12,3 bilhões para US$ 5,2 bilhões, e de serviços e rendas, que encolheu no período de US$ 19,1 bilhões para US$ 12,7 bilhões. Por outro lado, o saldo da balança comercial nos quatro primeiros meses do ano é melhor do que em 2008, com US$ 6,7 bilhões, ante US$ 4,5 bilhões. E, confirmando a boa situação econômica, os investimentos diretos líquidos totais ainda apresentam dinamismo - as aplicações produtivas do capital externo caíram em torno de 33%, e os investimentos brasileiros no exterior recuaram um pouco mais. Além disso, a aguda escassez de crédito externo a partir de outubro está ficando aos poucos para trás. Em abril, a taxa de rolagem dos empréstimos de médio e longo prazo foram de 87% no total e de 95% para os débitos privados. No quadrimestre, ela é de 67%.

Desta forma, não há uma redução muito forte nos ingressos relacionados aos fluxos de mercadorias e produção, e há uma disparada nos ingressos especulativos de curto prazo. A valorização do real decorrente tem limites. Com a possibilidade de uma recessão no Brasil, ainda que branda, não há muito espaço para a continuidade firme de um avanço muito forte das ações, salvo surtos especulativos. Da mesma forma, o salto da bolsa de Nova York até agora é compatível com a queda abaixo do esperado dos lucros das empresas, embora tenda a perder força porque esses resultados possam piorar com a recessão que se estenderá pelo menos até o fim do ano.

Com a precária retomada do crédito e os juros mais baixos em décadas nos principais países desenvolvidos, há incentivos para a busca de rentabilidade maior em aplicações em países emergentes que se mostraram sólidos durante a crise. Ao primeiro sinal de instabilidade, porém, esse movimento costuma se inverter. Deixar a segurança dos títulos do Tesouro americano, que nada rendem, porém, só tem consequências em um movimento de pequena escala. O aquecimento de algumas bolsas ao redor do mundo já levou ao aumento dos juros dos T-bonds e isso traz um desafio para o Fed, já que ele precisa de que esses papéis de longo prazo continuem com juros baixos para normalizar o mercado de imóveis, onde a catástrofe atual começou. Foi só o juro do T-bond reagir para que o dólar subisse lá fora. Nessa situação, o fluxo de capital especulativo para o Brasil tende a refluir e o câmbio a reencontrar, depois da forte alta de outubro, uma posição de maior equilíbrio.