Título: Renan Calheiros, ou a volta dos que não foram
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 29/05/2009, Opinião, p. A12
Se fosse um filme de terror, o nome seria "A volta dos que não foram". O circo dos horrores do Senado, desde a eleição para a mesa diretora e para as lideranças, em fevereiro, é um eterno retornar de velhos caciques que se reacomodam em postos facilitadores de trocas com o governo, de um lado, e aliciamentos de votos de senadores, de outro. É a velha fórmula de clientela transposta para a Casa legislativa: para conseguir um grupo coeso de senadores sob seus comandos, os líderes precisam ter trânsito no governo; para ter influência no Executivo, têm que ter o poder de chantagem que lhes confere um número de votos suficiente para definir questões em jogo.
São várias as razões estruturais que definem a longevidade de lideranças locais forjadas no atraso na estrutura de poder federal: o fato de o Senado funcionar como uma instância de veto, e não como uma Casa revisora; a força de organizações partidárias regionalizadas, de matriz patrimonialista, que despejam a cada eleição seus representantes no Legislativo; a fragmentação do quadro partidário, que obriga negociações de toda ordem para a manutenção de maiorias parlamentares nem sempre suficientes para garantir a governabilidade; a importância do PMDB em qualquer governo de coalizão, cuja divisão interna, em vez de atenuar os efeitos da fragmentação partidária, os reforça etc. Isso não significa, contudo, que a sociedade deva olhar com tolerância para a eterna repetição da história partidária, sempre como farsa.
Reportagem publicada na edição de ontem do Valor ("Renan Calheiros terá controle sobre CPI da Petrobras"), personifica - confere rosto, fatos e estratégias - as idas e vindas dessas lideranças. A matéria descreve os caminhos percorridos pelo atual líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), desde o início do ano, para retomar o seu prestígio na Casa, premiar os senadores que deram apoio a ele em 2007 - quando, presidente do Senado, viu-se às voltas com escândalos que lhe renderam vários processos na Comissão de Ética por quebra de decoro parlamentar e quase lhe custaram o mandato - e para reaver o antigo poder de barganha junto ao governo.
Calheiros tornou-se credor da eleição do atual presidente do Senado, José Sarney (PMDB-MA), contra a candidatura do petista Tião Viana (PT-AC); apostou suas fichas, e ganhou, na eleição do ex-presidente Fernando Collor de Mello (PTB-AL) como presidente da Comissão de Infraestrutura do Senado, contra a postulação da petista Ideli Salvatti (SC); e, agora, garantiu na CPI da Petrobras uma maioria que, antes de ser governista, é sua. É a bancada do Renan Calheiros. O governo e o Partido dos Trabalhadores estão à mercê dele, e o humor do líder do PMDB no Senado terá o poder de definir se a oposição terá espaço para andar no terreno arenoso da comissão especialmente preparado para amigos e inimigos do político alagoano.
Era previsível que Calheiros tentasse, em algum momento, retomar o prestígio perdido. O que não era tão evidente, todavia, é que o governo se encaixasse de forma tão dócil nos interesses do alagoano. Até agora, os articuladores do Executivo têm se poupado do ônus das sucessivas derrotas impostas aos senadores petistas no Senado pelo grupo pemedebista comandado por Calheiros e Sarney, sob o argumento de que ambos são igualmente da bancada governista. Não há dúvida, todavia, de que um esforço para não concentrar tanto poder nas mãos do PMDB no Senado seria de grande utilidade para o Palácio do Planalto. Após olhar com indiferença a desenvoltura do líder do PMDB no trabalho de refazer os seus espaços, o governo vê-se ainda mais susceptível do que era a chantagens e ameaças do maior partido oligarca do país.
A posição de novo ocupada por Calheiros está longe também de favorecer a oposição. Pelo menos até o ano que vem, quando será possível ver qual partido terá maiores chances de ser vitorioso na disputa pela Presidência da República, o PMDB não vai sair da posição dúbia de ser governo, pero no mucho - ou ser oposição, mas nem tanto. Até lá, é o país como um todo vai perder, com a maior aderência da bancada pemedebista nas máquinas do governo e do Legislativo.