Título: Deixar de crescer para... deixar de crescer
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 10/03/2005, Opinião, p. A10

A última semana foi pródiga em evidências numéricas de que a economia começou a botar o pé no freio a partir de setembro do ano passado. O IBGE, ao anunciar o espantoso crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2004, de 5,2%, na semana passada, deu primeiro a boa notícia. A má veio nas entrelinhas: o último trimestre registrou uma expansão de apenas 0,4% em relação ao mesmo período do ano anterior, índice já dessazonalizado. Nesta terça, o Ipea, ligado ao Ministério do Planejamento, reviu para baixo, de 3,8% para 3,5%, a sua previsão de crescimento do PIB deste ano. Simultaneamente, o IBGE anunciou um declínio de 0,5% (índice com ajuste sazonal) da produção industrial do mês de janeiro em relação a dezembro. Os números da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostram um recuo das vendas e das horas trabalhadas na indústria a partir do quarto semestre do ano passado. Os números incidem sobre uma base de comparação alta, pelo crescimento da economia no ano passado em índices muito acima dos amargados nos últimos anos. Mas, mesmo assim, é sintomático que num período de cinco meses - entre setembro de 2004 e janeiro deste ano - as vendas industriais tenham acumulado uma queda de 4,2%. E, da mesma forma, o IBGE tenha registrado um crescimento de apenas 0,5% da indústria no último trimestre do ano passado, contra 2,7% no segundo trimestre; e uma contração importante da formação bruta de capital fixo nesse período. Os dados convergem para a evidência de que os seis sucessivos aumentos nas taxas de juros básicas começam a produzir efeitos de redução do ritmo de atividade econômica. Como a política monetária mais apertada tem por objetivo baixar os índices de inflação - e eles persistem -, ganha a força a discussão sobre a eficácia do remédio ou por que o Brasil real reluta tanto em se ajustar à teoria. Na contramão da política contracionista que teoricamente deveria combater a alta dos preços, o IPCA, índice em que se baseia a meta de inflação do BC, mantém a sua vitalidade. Em setembro, quando foi iniciada a escalada de aumento de juros, o acumulado anual era de 6,70%; em janeiro deste ano, já havia ascendido a 7,41%. O acumulado de 2004 foi de 7,6%. Em artigo publicado ontem na Folha de S.Paulo, o economista Paul Singer, um dos fundadores do PT, sustenta que a política restritiva não reduz a inflação pelo simples fato de que ela não é causada por excesso de demanda, mas pela elevação das tarifas dos serviços públicos, indexadas ao IGP-M (que sobe mais do que o IPCA usado pelo BC) e pela elevação dos preços das commodities que o Brasil exporta e importa. A inflação, portanto, resulta de um aumento real de custos. Isso quer dizer que o efeito da contenção de demanda dificilmente será a de reduzir o preço das mercadorias, afetado por contratos internos e preços internacionais - a não ser quando a economia entra em recessão. Como os agentes financeiros sabem disso, a política sequer surte efeitos sobre suas expectativas em relação à inflação. Pelo contrário: a escalada da Selic acaba sendo traduzida como uma sinalização do BC de que a autoridade monetária continua trabalhando com previsões altas para a inflação num futuro próximo. Mas, na verdade, o aumento de preços não tem se restringido apenas aos preços administrados. Nesse debate sobre a eficácia da política monetária tem sido apontado o fato novo do aumento do volume de crédito na economia e seu efeito sobre a demanda. Não só o aumento do crédito mas principalmente o alongamento dos prazos dos financiamentos, ambos são altamente saudáveis, mas, num primeiro momento, acabam por abrir espaço ao repasse da elevação das matérias-primas. aos preços dos produtos finais. Os fatos indicam que, talvez, abortar o crescimento com uma política monetária restritiva signifique apenas abrir mão de crescer, um sacrifício que não trará a inflação para a meta definida pelo Banco Central. Por essa razão ganhou corpo nesse debate a crítica à meta de inflação, se dada a indexação que ainda persiste em preços públicos, dada a alta das matérias-primas e energia, dada o momento de expansão do crédito, se não seria melhor perseguir uma redução mais gradual da meta de inflação. Se o governo não teria exagerado na redução pretendida. A área econômica sustenta que não. O mundo real, no entanto, já enfrenta as consequências dessa política.