Título: Anúncio das cidades da Copa abre corrida por investidores privados
Autor: Teixeira , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 01/06/2009, Empresas, p. B3

O anúncio das 12 cidades brasileiras que vão sediar a Copa do Mundo de 2014, feita ontem pela Federação Internacional de Futebol (Fifa), nas Bahamas, abre caminho para que governos estaduais e investidores privados comecem a negociar as obras de infraestrutura necessárias para que as cidades escolhidas possam receber as partidas do Mundial. Da lista das 17 candidatas, ficaram Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Brasília, Cuiabá, Manaus, Fortaleza, Salvador, Recife, Natal. Foram eliminadas Campo Grande, Belém, Rio Branco e Florianópolis.

O potencial dos negócios relacionados à infraestrutura da Copa é bilionário. Os números variam de acordo com a fonte, mas as estimativas mais altas apontam para R$ 30 bilhões, sendo R$ 6 bilhões deles apenas na construção e reforma de estádios. O governo federal deve liberar dinheiro para os projetos que envolverem transporte urbano, estradas, ferrovias e aeroportos. No caso das arenas, o plano é deixar as obras a cargo dos governos locais em associação com investidores privados. Mas essa é a principal dúvida: com projetos que chegam a R$ 500 milhões para construir novos estádios ou reformá-los, e considerando o risco financeiro que esses projetos costumam oferecer, a iniciativa privada vai entrar em campo?

Para o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, presidente do Palmeiras, a maior parte dos projetos de construção e reforma de estádios terá dificuldade para atrair investidores privados. Belluzzo tem experiência no assunto, pois negocia há mais de dois anos o projeto da Arena Palestra, uma ampla reforma para transformar o estádio Palestra Itália, em São Paulo, numa arena multiuso, em parceria com a construtora WTorre.

O maior problema, afirma o economista, é como obter uma taxa de retorno mínima para o investimento. No caso da Arena Palestra, a taxa de retorno anual foi fixada em 15%. "Não é fácil tirar esse percentual de estádios", diz Belluzzo. Isso significa, grosso modo, que um novo estádio como o previsto para Salvador, com custo estimado inicialmente em R$ 400 milhões, teria de render cerca de R$ 60 milhões ao ano para que o negócio compense financeiramente.

Amir Somoggi, consultor da Casual Auditores, especializada em negócios esportivos, faz contas parecidas. Para um estádio de R$ 350 milhões ser rentável, ele precisaria de uma receita anual de pelo menos R$ 40 milhões. Nenhum estádio brasileiro, porém, chega perto de receitas líquidas desse porte. No seu balanço relativo ao ano de 2008, o São Paulo Futebol Clube relata receita bruta de R$ 19,243 milhões com o estádio do Morumbi, o que mais arrecada no Brasil.

"Corremos o risco de ter uma manada de elefantes brancos após o final do evento", diz Jorge Hori, autor de um estudo sobre o os investimentos da Copa para o Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco). Sem depender de outros eventos além dos jogos, os estádios precisariam abrigar anualmente pelo menos 60 partidas, com ocupação média de 60% a 65% e ingressos vendidos a R$ 40, algo pouco viável na maioria das cidades.

É por isso que muita gente no setor aposta na construção de arenas multiuso, cujo funcionamento vá além de abrigar partidas esportivas. "Caso se faça uma reforma apenas para atender às exigências da Fifa, o estádio recebe a Copa, mas depois não tem receita. É preciso mudar o conceito", diz Felipe Jens, responsável pela área de investimentos em infraestrutura da Odebrecht. Na Europa vários países já adotaram a fórmula de usar estádios como espaços para eventos corporativos, entre outras finalidades, diz o executivo, que defende um modelo semelhante para novos estádios no Brasil.

O modelo multiuso, com boa possibilidade de exploração do espaço comercial, também é destacado por Belluzzo. "O que não se pode imaginar é construir um estádio apenas para futebol sem dinheiro público", diz o presidente do Palmeiras.

O problema é que poucas cidades brasileiras têm o porte necessário para atrair essas fontes de receita alternativa. Hoje, diz Hori, consultor do Sinaenco, somente São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília estão na rota regular dos grandes shows internacionais - que funcionariam como peça importante na composição da receita -, com uma participação menos intensa de outros centros, como Porto Alegre e Belo Horizonte.

A localização dos estádios, diz Belluzzo, talvez seja o ponto central quanto à capacidade de ganhar dinheiro com as arenas: "O projeto Arena Palestra leva em conta o potencial consumidor da cidade e do Estado de São Paulo". diz. Ele lembra que o PIB da cidade de São Paulo é igual ao do Chile, e o do Estado é quase o da Argentina. "Tirando São Paulo e talvez o Rio, as outras unidades da federação terão dificuldades para ter investimentos. É uma questão de nível e de massa de renda", afirma. "

Essa geografia do investimento deve determinar, em grande parte, o percentual de participação do governo e das empresas nas Parcerias Público-Privadas (PPPs) que, ao que tudo indica, serão o formato escolhido para tocar as obras. "Nas cidades onde houver menor interesse comercial tende a haver maior participação pública", diz Luiz Fernando Santos Reis, presidente do Sindicato Nacional da Construção Pesada (Sinicom).

Um desafio adicional para as companhias que vierem a investir será ir além da construção e assumir a administração do estádio. Na Arena Palestra, por exemplo, a WTorre fará a gestão imobiliária do estádio. "Ela vai explorar o estádio, camarotes, cadeiras, os espaços usados para outros fins, como shows. O clube receberá um percentual da receita", diz Belluzzo.

Para Somoggi, da Casual Auditores, a despeito das novas tendências - como as arenas multiuso e a administração terceirizada -, ainda é mais acertado tentar ganhar dinheiro do modo tradicional: vendendo ingressos. O Arsenal, um dos times mais rentáveis da Inglaterra, consegue 85% da receita do seu estádio com a bilheteria de seus próprios jogos, diz o especialista. "Estamos falando de marketing esportivo. Precisamos é melhorar o relacionamento dos clubes com o torcedor", afirma. Há dois anos o Arsenal trabalha com ocupação de 100% do seu estádio, graças à venda antecipada de ingressos e operação de camarotes, diz. Para o consultor, a entrada de investidores privados é viável se associado a um plano de marketing dos clubes que ocuparão o estádio.

Segundo um levantamento de Amir Sommogi, todas essas restrições não impediram que o capital privado fosse abundante em outras copas: na Alemanha de 2006 foram gastos ¿ 1,5 bilhão em reforma e construção dos estádios, 62% dos quais vieram de investidores particulares.