Título: Sumiço é enigma para investigadores
Autor: Pasztor , Andy
Fonte: Valor Econômico, 02/06/2009, Brasil, p. A6

Os jatos modernos não são projetados e construídos para simplesmente desaparecer do céu sem deixar vestígios, como ocorreu ontem com o voo 447 da Air France do Rio para Paris. O voo já apresenta um enorme ponto de interrogação para os investigadores de acidentes aéreos: por que o cérebro computadorizado do avião enviou um alerta para o centro de manutenção da Air France avisando que o avião enfrentava problemas elétricos significativos?

O alerta automático é um enigma por vários motivos. Primeiramente, ele indica que "o avião não sofreu uma perda completa e súbita do sistema elétrico", segundo John Cox, ex-piloto da aviação civil americana que hoje em dia trabalha como consultor de segurança. Isso significa que a tripulação deveria ter sido capaz de enviar um comunicado de emergência do avião. Mas os controladores de tráfego aéreo jamais o receberam. Isso é estranho, já que o Airbus A330 é projetado com sistemas elétricos de reserva que permitem esse tipo de transmissão de emergência.

Ao longo dos anos, defeitos temporários no sistema elétrico e nos controles de voo causaram uma série de incidentes assustadores - mas raramente resultaram em catástrofes.

Mesmo quando o avião perde a eletricidade, o Airbus usa uma pequena hélice que age como um moinho de vento para gerar eletricidade suficiente para alimentar instrumentos básicos e as comunicações. Em 2001, pilotos canadenses conseguiram planar outro Airbus A330 até pousar na Ilha de Açores depois que o avião ficou sem combustível quando voava sobre o Oceano Atlântico.

Um fator imprevisível, contudo, é se tais sistemas de reserva manteriam adequadamente o controle do avião durante uma turbulência severa que pode tê-lo levado a despencar e rolar, segundo outros especialistas em segurança do setores público e privado. A não ser que seja encontrada a chamada "caixa preta", ou o gravador de voz e dados da cabine de comando, deduzir o que os computadores de bordo estavam fazendo durante os últimos minutos de voo se torna uma tarefa extremamente desafiadora.

A combinação de tempestades e problemas elétricos sugere que um raio pode ser um fator importante no acidente. Autoridades de segurança aérea dos EUA calculam que o jato comercial médio é atingido por raios pelo menos uma vez por ano. Mas eles dizem também que nenhum jato comercial americano de grande porte caiu nos últimos 30 anos devido a raios.

A maior parte dos passageiros pode passar a vida inteira sem viajar num avião atingido por um raio, mas muita gente que voa com frequência conta histórias sobre passar por uma tempestade e subitamente ouvir um estrondo - sinal de que o avião foi atingido por um raio. Mas no meio de um temporal normalmente é difícil para os pilotos - com o limitado ponto de vista da cabine - saber com certeza se o avião foi atingido.

Raios podem danificar a fuselagem, destruir partes do nariz e das asas e até soltar parafusos das aeronaves. Os aviões são testados para garantir que as descargas elétricas se dissipem o mais rápido possível. Descargas elétricas são perigosas para os computadores dos aviões, que podem ser queimados pelos raios da mesma forma que televisões e outros eletrodomésticos são danificados no chão.

Independentemente da possibilidade de que raios tenham provocado o acidente, o alerta deve redobrar a atenção em potenciais pontos vulneráveis que podem surgir à medida que os aviões dependem, cada vez mais, de sistemas eletrônicos automatizados.

A Airbus foi pioneira no uso de sistemas sofisticados de controle de voo que dependem de computadores. A Boeing Co. está lançando o mais sofisticado e computadorizado jato de passageiros da história, o 787 Dreamliner. A maioria dos modelos da Airbus e o Boeing 777, lançado em 1995, são controlados com o uso de sinais elétricos através de fios que vão do nariz à cauda da aeronave. Modelos mais antigos usavam cabos e polias ou tubos que transportavam fluido hidráulico. Esses sistemas mecânicos eram pesados e corriam o risco de se romper.

Os sistemas mais novos de "voo com fios" são mais leves e exigem menos manutenção. Esses sistemas automatizados nos aviões da Boeing e Airbus também podem seguir a rota e mover os controles durante todo o voo. A precisão e a redução da carga de trabalho das equipes de bordo aumentaram a segurança dos voos - ainda que computadores cada vez mais sofisticados tenham também criado uma nova gama de problemas. As falhas de software, a má qualidade da rede elétrica e leituras falhas de sensores externos tiraram da rota vários jatos nos últimos anos.

Em janeiro de 2008, as autoridades de segurança de voo da Europa aprovaram uma orientação relativa a problemas temporários nos computadores de bordo que podem ocorrer quando uma falha de motor causa breves problemas no sistema elétrico. Um Airbus A319 da British Airways PLC que voava de Londres a Budapeste com 82 pessoas a bordo sofreu um breve mas apavorante incidente em 2005, quando a cabine do avião repentinamente escureceu, o piloto automático foi desligado e todos os principais instrumentos de comando pararam de funcionar.

O comandante tentou transmitir um pedido de socorro, mas o rádio estava inoperante. Enquanto o copiloto lutava para encontrar alguns comandos no escuro, outro tripulante pegou o manual de instruções e em cerca de 90 segundos conseguiu recuperar os instrumentos. Os investigadores concluíram que a perda de um ou dois dos sistemas elétricos primários levaram a um "tipo de defeito imprevisto" que poderia resultar na perda simultânea dos instrumentos de voo do piloto e do copiloto. Investigadores de acidentes dos EUA identificaram outros 16 aviões Airbus que perderam quase todos os comandos da cabine em razão de flutuações de energia.

A Airbus pediu às companhias aéreas para fazer modificações nos aparelhos, mas o Conselho Nacional de Segurança de Transportes Aéreos dos EUA, NTSB na sigla em inglês, alegou a necessidade de adoção de medidas adicionais.