Título: Expectativa no desembarque
Autor: Queiroz, Silvio
Fonte: Correio Braziliense, 15/03/2010, Mundo, p. 16

Lula chega a Israel em meio a tensão crescente com os palestinos pela ampliação das colônias judaicas em Jerusalém

Israel recebeu ontem o primeiro chefe de Estado brasileiro em visita oficial ao país em meio à expectativa por mais confrontos entre suas tropas e manifestantes palestinos na Cisjordânia. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou no fim da tarde no Aeroporto Internacional Ben Gurion, em Telavive, e se dirigiu para a embaixada brasileira. Enquanto isso, incidentes se sucediam nas imediações de Hebron e Belém, onde Lula passará a noite de terça para quarta-feira. Em ambas as cidades, veículos israelenses foram apedrejados por manifestantes que protestavam contra o fechamento das passagens entre a Cisjordânia e o território israelense, medida tomada com o propósito de coibir distúrbios em Jerusalém.

O presidente brasileiro, que cumpre a partir de hoje uma concorrida agenda, não fez declarações após a chegada. Sua visita, porém, coincide com as ondas de choque causadas pela decisão israelense de construir mais 1,6 mil casas para famílias judaicas em Jerusalém Oriental (1) reivindicada pela Autoridade Palestina (AP) como capital de um futuro Estado independente. O assessor de Lula para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, confirmou que a expansão das colônias em território palestino, motivo de atrito também com os Estados Unidos, estará à mesa nas reuniões que o presidente terá hoje com o colega Shimon Peres e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

Também é cercado de expectativa o pronunciamento que o visitante fará à Knesset, o Parlamento israelense. De acordo com o assessor internacional, o presidente aproveitará a ocasião para esclarecer aos deputados a posição de seu governo não apenas sobre o processo de paz entre Israel e os palestinos, mas também sobre a política de aproximação com o Irã, visto pelo Estado judeu como inimigo. Em primeiro lugar, queremos que o Irã renuncie a qualquer pretensão de obter armas nucleares, disse Garcia à imprensa, após o desembarque. Em segundo lugar, queremos que o Irã contribua para uma solução pacífica da questão palestina, pois tem influência, tem peso, completou, referindo-se às relações do regime islâmico com o movimento extremista Hamas.

Unidade palestina

As disputas, por vezes sangrentas, entre o Hamas e o partido nacionalista Fatah, que controla a Autoridade Palestina (AP), estarão entre os temas do encontro que Lula terá na terça-feira com o presidente da AP, Mahmud Abbas. A primeira coisa que o lado palestino tem de fazer é unir-se, afirmou Marco Aurélio Garcia. Sem isso, qualquer esforço estará fadado ao fracasso, completou. No fim de 2009, em visita ao Egito outro interlocutor com bom trânsito entre Israel e a AP , o chanceler Celso Amorim teria sido sondado sobre a disposição do Brasil em ajudar na reaproximação entre Hamas e Fatah. Em 2007, os islamistas assumiram militarmente o controle da Faixa de Gaza, consumando uma divisão político-administrativa dos territórios que devem conformar um Estado independente.

O presidente brasileiro viaja acompanhado de mais de 70 empresários, que participarão de seminários com contrapartes em Israel, na Cisjordânia e na Jordânia, última escala da viagem. Em abril, entra em vigor para o Brasil um acordo de livre comércio firmado entre Israel e o Mercosul, que faz sua primeira iniciativa do gênero com um parceiro externo à região. Para cultivar a posição de interlocutor equidistante, o governo brasileiro encarregou o ministro da Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, de avançar nas conversações sobre um acordo comercial similar com a Autoridade Palestina.

1 - Sagrada e dividida Jerusalém, venerada por judeus, muçulmanos e cristãos, simboliza o impasse no processo de paz. Até 1967, Israel controlava a metade ocidental, enquanto a oriental ficava sob custódia da Jordânia. Vitorioso na Guerra dos Seis Dias, o Estado judeu conquistou a cidade, anexada formalmente anos depois, porém sem reconhecimento internacional. Hoje, a Constituição israelense proclama Jerusalém como capital eterna e indivisível, o que dificulta para qualquer governo a aceitação de um acordo que preveja a capital palestina no setor oriental.

Netanyahu pede calma

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu pediu ao seu gabinete e à opinião pública israelense que tenham calma e não exagerem a crise diplomática com os Estados Unidos. Mas, em Washington, um dos assessores mais próximos ao presidente Barack Obama deu a entender que não bastarão palavras para reparar a afronta representada pela decisão de construir mais 1.600 casas para famílias judias no setor oriental (árabe) de Jerusalém. O anúncio foi feito durante a visita do vice de Obama, Joseph Biden, que foi à região incentivar a retomada de negociações entre israelenses e palestinos. A secretária de Estado Hillary Clinton telefonou para Netanyahu e protestou contra o insulto.

Foi uma afronta, foi um insulto, mas o mais importante é que sabotou esse esforço tão frágil para levar paz à região, disse à televisão NBC David Axelrod, conselheiro político de Obama desde a campanha vitoriosa pela Casa Branca, em 2008. A iniciativa a que ele se referia, e que fez parte da agenda de Biden no Oriente Médio, é uma rodada de conversações indiretas entre Israel e a Autoridade Palestina (AP), a ser conduzida na semana que vem pelo enviado especial do presidente, George Mitchell. Nós mal começamos essas conversas de aproximação, essa diplomacia-ponte, e esse anúncio (sobre Jerusalém) foi muito destrutivo, queixou-se Axelrod.

Exagero

Na reunião semanal do gabinete israelense na semana judaica, o domingo equivale à segunda-feira , Netanyahu anunciou uma investigação para determinar responsabilidades pelo incidente com Biden. Para o premiê, foi um episódio lamentável, que não deveria ter ocorrido e não deve se repetir. Mas, na sua avaliação, a imprensa israelense exagerou as proporções do atrito com os EUA, embora ele próprio tenha escutado palavras duras de Hil-lary Clinton, na sexta-feira. A secretária não deixou dúvidas sobre o desagrado de seu governo e advertiu Netanyahu de que serão necessários atos para reparar a relação com um aliado que, ela fez questão de lembrar, é chave para a segurança de Israel.

O golpe foi acusado pelo segundo homem do governo, o ministro da Defesa, Ehud Barak. Esse contratempo (com Biden) não foi intencional, mas sem dúvida foi desnecessário e causou danos (a Israel), disse Barak. Líder do Partido Trabalhista, que integra a coalizão de governo com o rival direitista Likud, de Netanyahu, o ministro da Defesa, que já foi premiê, ponderou sobre o lugar central das relações com os EUA na política israelense. Embora sejamos nós, em última instância, os responsáveis pelo nosso destino, a amizade com os EUA é importante para nossa segurança e pressupõe o respeito mútuo.

Deu no...

HAARETZ.COM

Boletim noturno O diário mais influente de Israel registrou em sua edição online a chegada do presidente brasileiro. Em link sobre a visita, destaca as declarações de Lula sobre sua determinação de dialogar com o Irã e incluí-lo nas conversações de paz.

THE JERUSALEM POST

Turnê de despedida O jornal apresenta a primeira visita de um chefe de Estado brasileiro a Israel e enfatiza seu empenho em aproveitar os últimos meses de mandato para inserir o país no processo de paz do Oriente Médio.

BBC BRASIL

Lugar para o Irã O site em português da emissora britânica destacou as declarações do assessor de Lula para assuntos internacionais. Marco Aurélio Garcia disse que, entre os temas a serem discutidos em Israel estará a inclusão do Irã nas discussões sobre a paz.