Título: GM vai à concordata e deixa espólios cobiçados
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Fonte: Valor Econômico, 02/06/2009, Opinião, p. A11
Após 77 anos de liderança no mercado mundial de veículos, encerrados há dois anos, a General Motors pediu concordata ontem, na última tentativa de salvamento de um dos símbolos do capitalismo americano. A empresa ganha tempo para tornar-se enxuta, produzir carros modernos, econômicos, de baixo custo e livrar-se do peso de suas admiráveis dívidas - tem um passivo de US$ 172,8 bilhões, o dobro dos US$ 82,3 bilhões em ativos. Não é uma tarefa fácil, nem o sucesso está garantido. O que é certo é que quando Rick Wagoner, CEO da empresa por 9 anos, foi forçado a se demitir em 27 de março, após um encontro no Tesouro americano com Steven Rattner, nomeado pelo presidente Barack Obama para comandar o grupo encarregado da reestruturação do setor, encerrava-se um longo capítulo da história da indústria automobilística global.
Enquanto que a GM terá de conseguir em pouco tempo o que não conseguiu em anos, a Chrysler prepara-se para sair da concordata sem muitas perspectivas além de abraçar a Fiat e a Ford se recupera, seus concorrentes buscam aproveitar-se do tombo dos gigantes americanos. A GM deixa de ser uma companhia global, ao se livrar da Opel e Vauxhall, as divisões europeias que lhe renderam US$ 34,4 bilhões em receitas no ano passado.
O espólio europeu da GM já passou à fabricante de autopeças canadense Magna Internacional, uma vencedora surpreendente em negociações cheias de reviravoltas, que se encerraram na sexta-feira com a derrota da principal concorrente, a Fiat. A montadora italiana saiu na frente com a intenção de consolidadora de um setor que sofre hoje com o excesso de capacidade de produção e falta de compradores. Com uma aliança transatlântica em que reuniria o pedaço europeu e latino-americano da GM e os acordos de tecnologia e acionários com o que restou da Chrysler, a Fiat queria chegar à fronteira dos 6 milhões de carros. Com isso, encostaria na Volkswagen e ficaria atrás apenas da Toyota no ranking mundial da produção. A preferência pela Magna deixou o artífice do plano da Fiat, o CEO Sergio Marchionne, frustrado e com um difícil plano B. A Fiat perdeu a oportunidade de fazer uma ótima compra a preço de liquidação e terá de rever a estratégia. Alguns analistas da indústria apontam a Peugeot Citroën como novo alvo da Fiat, mas ele tem pelo menos dois inconvenientes: o preço será maior e a sobreposição de modelos das duas montadoras é muito maior que no caso da Opel.
O surgimento da Magna como um jogador no mercado em que aparecia na periferia, como montadora terceirizada de marcas famosas, pode não apontar uma tendência, e menos ainda uma solução para fabricantes que procuram desesperadamente ganhos de escala. A Magna terá 20% da Opel e seu sócio, o banco russo Sberbank, 35%. Um de seus planos é explorar com novas plantas o mercado russo, hoje às voltas com uma enorme recessão. As negociações envolveram boa dose de ingredientes políticos e, ao apresentar propostas que preservavam mais empregos, a Magna pode estar abdicando de fazer reformas necessárias na Opel para torná-la mais competitiva.
Todas as subsidiárias da GM sentirão abalos em seus negócios. Por outro lado, a divisão latino-americana da GM ganhou maior peso relativo. Além de lucrativa, ela passa a ser a segunda maior fonte de receitas do grupo, com vendas de US$ 20,3 bilhões (incluídos África e Oriente Médio). A Fiat deve fazer mais esforços para abocanhá-la, o que acrescentaria mais 1 milhão de veículos, ao lado dos 2 milhões da Chrysler. Com ela nas mãos, a Fiat chegaria aos 5 milhões e Marchionne deixou claro que vai atrás desses ativos, onde a filial brasileira é certamente a joia da coroa. A GM do Brasil pode, no primeiro momento, reduzir investimentos, após socorrer a matriz e perder dinamismo nos negócios, já que seu comando nos EUA agora concentrará energias em mudar radicalmente a estratégia da empresa. A base tecnológica e modelos dos carros brasileiros da GM sempre vieram da Europa e um ponto de interrogação se coloca agora, depois que a Opel foi vendida.
Nos EUA, a Ford prepara-se para aumentar a produção no terceiro trimestre, enquanto seus rivais GM e Chrysler estão paralisados. Com a GM fora do combate por algum tempo, abrem-se chances de ouro para outras montadoras conquistarem o maior mercado do mundo.