Título: Após alta de 45%, indicações se dispersam
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Fonte: Valor Econômico, 02/06/2009, Eu & Investimentos, p. D3

A velocidade com que a bolsa brasileira se valorizou neste ano, com o Ibovespa saindo dos 37.550 pontos para a casa dos 54 mil até ontem (mais de 45%), deixou os analistas reticentes quanto à continuidade desse movimento - notadamente comandado pelo capital estrangeiro, que já aportou R$ 10,8 bilhões na Bovespa até 27 de maio. Tal receio se reflete na dispersão das indicações para a Carteira Valor de junho. Na seleção para o mês que fecha o primeiro semestre há um misto de commodities, pelo apelo da liquidez e pelo viés da reação chinesa, balanceado com papéis expostos ao mercado interno e bancos.

Para se ter ideia da diluição das expectativas, entre as 50 ações que compõem as listas das 10 corretoras participantes, as preferenciais classe A (PNA, sem voto) da Vale e as units (recibos de ações) da América Latina Logística (ALL) é que lideram, com apenas 3 indicações cada uma. Na sequência estão Petrobras PN, as ordinárias (ON, com voto) do Banco do Brasil, Redecard ON, AES Tietê PN, Suzano PNA e Sadia PN, com 2 citações cada uma. Pelo critério de liquidez, com apenas 1 menção, também fazem parte do portfólio Itaú Unibanco PN e Gerdau PN.

"O mercado subiu tanto que está ficando sem opção", diz o chefe de análise da Planner Corretora, Ricardo Tadeu Martins. "Pela sensibilidade dos resultados, dos lucros projetados, os papéis estão ficando caros e daí o grande dilema se se deve seguir a onda do fluxo e correr o risco de ser atropelado por uma grande realização." Na sua seleção, o especialista combinou liquidez, com papéis que podem representar alguma proteção em relação ao movimento da bolsa, numa lista que incluiu nomes como Petrobras, Redecard, Itaú Unibanco, Eletrobrás ON, além de Gerdau PN.

Entre os bancos, Itaú Unibanco é o que pode apresentar neste ano resultados melhores do que em 2008, pois ainda vai captar sinergias da fusão, além de ter alcançado um porte internacional, avalia Martins. A história de Redecard está ligada à recuperação do consumo interno e à mudança de hábito do brasileiro, de substituir meios tradicionais de pagamento como cheques e dinheiro pelos cartões. A escolha de Gerdau, a despeito da forte exposição ao mercado americano, está associada à promessa de reação do setor de infraestrutura nos EUA, bem como aos estímulos fiscais no segmento de construção civil no Brasil. E, apesar de a CPI da Petrobras lançar uma sombra sobre os papéis da estatal de petróleo, Martins considera que o fato de a ação centralizar a liquidez da bolsa e permitir estratégias estruturadas com opções possibilita um carregamento de certa forma confortável para os investidores.

Petrobras ON e PN, com peso de quase 20% no Ibovespa, tiveram muito a ver com a forte valorização do indicador neste ano. Os papéis acompanharam em grande parte a alta das cotações do petróleo no mercado internacional, que saíram abaixo da casa dos US$ 40,00 para os US$ 68,00, sob a promessa de que a China voltará a ser a locomotiva do planeta. Na evolução do índice local há, entretanto, uma nítida antecipação de expectativas de recuperação da atividade global em 2010, mas que talvez não se traduza nos resultados da estatal, pontua o chefe de análise da Link Investimentos, Andrés Kikuchi. "Boa parte do que a bolsa poderia alcançar neste ano já está no preço", diz.

De olho na recuperação do consumo interno, a sua seleção incluiu AmBev e Sadia, além dos papéis da ALL, pela expectativa de que os volumes transportados neste ano tenham crescimento na casa dos dois dígitos, com o segmento agrícola como carro-chefe. O racional por trás da escolha da fabricante de bebidas é que a companhia, com o reforço de marcas, tem reconquistado mês a mês fatias de mercado perdidas ao longo do ano passado, enquanto outras companhias do ramo colocaram o pé no freio no quesito investimentos.

No caso de Sadia, a diferença de 8% que os papéis chegaram a ter na semana passada em relação aos da Perdigão é considerada descabida para uma relação de troca que já é conhecida, acrescenta Kikuchi. Para quem tem ações ON da Sadia fora do bloco de controle ou papéis PN, a relação de substituição foi fixada em 0,132998 por papel. Sadia também é uma aposta da Souza Barros, que há pelo três meses traz entre as indicações para a Carteira Valor. Segundo calcula o economista Clodoir Vieira, o preço justo para o papel é de R$ 5,80, o que embute um potencial de valorização adicional de 18%.

Já entre as produtoras de matérias-primas, a seleção da Link contemplou Vale e Suzano, pelo viés chinês. A fabricante de celulose tem ampliado de maneira significativa as exportações para aquele mercado, enquanto a mineradora deve conseguir negociar com as siderúrgicas do país descontos menores do que os empreendidos pelas empresas australianas. Comparativamente aos seus pares globais, Vale está descontada e tem condições de apresentar melhor performance do que o Ibovespa, acrescenta o analista da Spinelli Corretora Marcelo Lima. "A companhia tem uma posição elevada de caixa, produz um minério de melhor qualidade que as demais e a diferença de frete que antes justificava um ajuste maior hoje não faz mais sentido", argumenta.

A Vale tem conseguido colocar seus produtos no mercado spot (à vista), já mostrou que tem condições de escoar a sua produção sem contrato e não precisa ter pressa para negociar com as siderúrgicas chinesas, acrescenta Viera, da Souza Barros.

A fatia de CSN em mineração, com a mina Casa de Pedra, e a possibilidade de o governo brasileiro estender os benefícios fiscais para o setor automotivo para além do segundo semestre também justificam a presença do papel na carteira da Spinelli. Apesar da exposição em commodities, o tom para o mês é bastante conservador, afirma Lima. Para ele, a probabilidade de novas altas do Ibovespa baseada em fluxo de capital estrangeiro será, daqui para frente, cada vez menor, não descartando a possibilidade de o índice voltar à casa dos 50 mil, 51 mil pontos.

Por conta disso, a corretora também adotou uma posição mais defensiva, com a inclusão da concessionária Tractebel , que atua no sul do país, fora da região onde ainda se observa a queda de demanda de energia. Banco do Brasil ON é outro papel que integra a lista da Spinelli, pelos níveis de inadimplência sob controle, disposição para ampliar o crédito à pessoa física e pelo reforço de caixa que pode vir com a oferta pública inicial (IPO) da Visanet, na qual o BB detém uma participação de 34%. "O papel tem um desconto conhecido em relação aos outros bancos por conta do risco político, mas ao nosso ver, tal desconto pode ser considerado exagerado." A redução do juro básico entre 0,75 ponto e 1 ponto percentual, por sua vez, justifica a escolha de Cyrela. "Em meio ao aumento da demanda no setor de construção civil, a empresa já tem um negócio voltado à população de baixa renda e depende menos da Caixa Econômica Federal nos financiamentos, por contar com outras fontes de empréstimo, diferente de Gafisa."