Título: Paralisada, Câmara é pressionada a reagir
Autor: Tahan, Lilian; Medeiros, Luísa
Fonte: Correio Braziliense, 15/03/2010, Cidades, p. 21

Desde o início da crise política, há mais de 100 dias, o Legislativo deixou de lado a votação de projetos importantes. Governo e até alguns distritais cobram ritmo maior de trabalho

Os distritais só têm olhos para a Caixa de Pandora. Desde o início da operação da Polícia Federal e do Ministério Público, iniciada em novembro do ano passado, os deputados da Câmara Legislativa estão mergulhados no escândalo que desestabilizou a classe política no Distrito Federal. Parte deles na condição de protagonistas da crise e o outro grupo pressionado a punir os colegas citados no Inquérito nº 650 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Juntos, os parlamentares do Legislativo local acumulam uma pilha de 570 projetos de lei prontos para serem votados em plenário, mas que estão fora da pauta em função do escândalo.

Em alguns casos, a demora pode causar prejuízos milionários ao andamento de projetos que interessam aos moradores da cidade, como as obras de integração do transporte público. No volume de serviço acumulado pelos distritais, estão paradas propostas das mais diferentes naturezas. Uma de interesse social, como a que institui o Código de Defesa do Contribuinte, outras polêmicas, entre as quais a que obriga a publicação, no Diário Oficial do DF, de um catálogo com os nomes e os números dos telefones celulares de quem ocupa cargo público no GDF e na Câmara.

Mas os maiores prejuízos que podem ser causados pela letargia do Legislativo estão vinculados a projetos que destinam crédito a obras viárias na capital. Há pelo menos dois que precisam ser votados até o fim do mês, sob pena de o governo perder a chance de retirar empréstimo em condições vantajosas no valor de R$ 69 milhões.

Um dos projetos reserva parte do dinheiro (R$ 27,6 milhões) para obras do Veículo Leve sobre Pneus (VLP), corredor de ônibus biarticulados que ligará as cidades do Gama e de Santa Maria e o Eixo Sul ao Plano Piloto. A outra proposta reserva outros R$ 28 milhões para a primeira etapa do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), com previsão de circulação na W3 Sul. E ainda R$ 13,4 milhões para a implantação do corredor de ônibus no trecho da Linha Verde, a EPTG.

Votação

Em 25 de fevereiro, o governador em exercício Wilson Lima (PR) enviou mensagem à Câmara Legislativa pedindo, em regime de urgência, a votação dos projetos de empréstimo do BNDES para a área de transportes. Dezoito dias depois, as autorizações de crédito ainda aguardam a análise dos distritais. Segundo o presidente interino da Casa, Cabo Patrício (PT), as propostas estão na ordem do dia há uma semana, mas falta o colégio de líderes fechar acordo para votá-los. Técnicos do GDF foram requisitados para darem mais informações sobre os projetos, que muito provavelmente devem ser modificados pelos distritais.

O presidente afirmou ainda que, apesar das propostas terem passado pelas comissões, o debate só será esgotado em plenário. A Câmara não pode ser responsabilizada por uma eventual perda do prazo para conseguir o empréstimo. Tem projeto que deverá receber emenda supressiva e outras alterações. A Câmara não é mais o puxadinho do Buritinga, disse Patrício, fazendo referência à enorme quantidade de projetos de autoria do Executivo que foram enviados à Câmara quando José Roberto Arruda (sem partido) estava à frente do Executivo. Ele adiantou que os projetos de empréstimo do BNDES e o reajuste dos professores podem ser apreciados ainda nesta semana.

Na última terça-feira, os deputados apreciaram em plenário, pela primeira vez no ano, projetos da pauta de votação. Em sessão extraordinária, foram aprovados em primeiro e segundo turnos o reajuste salarial dos dentistas da rede pública de Saúde e dos funcionários das carreiras de policiamento e fiscalização do Departamento de Trânsito do DF (Detran). Os odontólogos terão aumento de 18,8%, distribuído em duas parcelas. Os servidores do Detran receberão 6% de reajuste. Para começarem a valer, as duas propostas ainda precisam ser sancionadas pelo governador interino.

Mea culpa

Deputados criticam a velocidade da votação dos projetos na Casa. Nos últimos dias, pelo menos três deles declararam em público o desconforto com o ritmo lento. Responsável por acompanhar o processo legislativo na Câmara, o terceiro secretário, Milton Barbosa (PSDB), cobrou a presença dos distritais no plenário para retomar o ritmo normal das votações. Caixa de Pandora é uma exceção. O que podia ser feito, já fizemos. Está na hora de o colégio de líderes definir o que é prioridade. Vamos voltar a trabalhar. Se não for assim, deixaremos de cumprir a missão precípua da Câmara de legislar, reclamou.

José Antônio Reguffe (PDT) também criticou o desempenho parlamentar. A Câmara tem que investigar a fundo esse megaesquema de corrupção, mas não pode deixar de analisar e votar projetos que podem melhorar vida da sociedade, afirmou. Já o petista Chico Leite alertou os demais distritais para a necessidade de se manter o trabalho legislativo. Temos de responder ao anseio da sociedade, que quer a punição dos culpados, mas que também deseja que os projetos de lei voltem a tramitar na Câmara Legislativa, enfatizou.

Apesar da autocrítica de alguns distritais, o presidente interino afirmou que a crise não abalou em nada o funcionamento da Câmara na votação de projeto. A Câmara voltou à sua normalidade. A prioridade de hoje é apreciar projetos que atendam à sociedade, como reajuste dos servidores. Os trabalhos não serão guiados pela quantidade de propostas existentes, e sim pela qualidade delas, justificou Cabo Patrício.

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Analise da notícia É hora de trabalhar

É compreensível que a Câmara Legislativa não esteja trabalhando em seu ritmo normal. Primeiro, porque há distritais sendo investigados no suposto esquema de corrupção que envolve, além do Legislativo, o Governo do Distrito Federal e empresas que prestam serviços à administração pública. Segundo, porque os distritais estão às voltas com a importante missão de julgar o impeachment do governador José Roberto Arruda, preso e afastado do governo por determinação da Justiça.

Mas, mesmo em tempos de crise, cabe à Câmara dar continuidade à apreciação de projetos de lei que realmente interessem à cidade. Somente assim os deputados distritais darão sinais de que o Legislativo local não está inerte e de que tem condições de colaborar com a governabilidade, exigida para ajudar a tirar o Distrito Federal do limbo, afastar o fantasma da intervenção e dar novos rumos à nossa sociedade.