Título: Peneira criminal alternativa
Autor: Iunes, Ivan
Fonte: Correio Braziliense, 13/03/2010, Política, p. 2

eleições

Se o Congresso é lento para votar o projeto que impede a candidatura de políticos com ficha criminal, entidades da sociedade civil e o próprio TSE prometem ser aliados do eleitor na campanha deste ano

Um Congresso Nacional reticente em aprovar o projeto que proíbe candidaturas de políticos condenados pela Justiça deve incentivar uma enxurrada de listas com as fichas criminais e os trabalhos prestados pelos parlamentares durante o mandato. Tradicionalmente elaborados por entidades representativas e organizações não governamentais (ONGs), os levantamentos trazem balanços sobre a forma como pensam e agem deputados e senadores em questões pontuais, como o combate ao desmatamento, a redução da carga horária de trabalho e os reajustes para aposentados. A prestação de contas ¿alternativa¿ ganha nas próximas eleições a colaboração do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que decidiu publicar a ficha criminal dos candidatos na internet. O expediente, que já era utilizado por entidades e ONGs, ganhará status de legitimidade.

A intenção do TSE é que a lista seja divulgada logo no primeiro mês da campanha eleitoral, em julho. Para homologarem as candidaturas, os políticos terão de apresentar certidão criminal. Os dados serão publicados na internet. A sugestão, feita pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), era de que o tribunal divulgasse também os candidatos condenados por improbidade administrativa, mas o crime não deve constar da publicação. O eleitor que quiser se informar sobre a ocorrência de crimes contra a administração pública pode consultar uma lista alternativa dos fichas sujas, já disponível no portal da OnG Transparência Brasil, pelo projeto Excelências.

As publicações dessas listas ganham maior importância, em especial, com a lenta tramitação do projeto Ficha Limpa na Câmara dos Deputados. A proposta, elaborada pela sociedade civil, está em estudo por uma comissão especial. O relatório preliminar, apresentado pelo deputado federal Índio da Costa (DEM-RJ), proíbe a candidatura de parlamentares condenados por órgãos colegiados ¿ a brecha libera os julgados em primeira instância. Ex-parlamentares que tenham renunciado para fugir da cassação também ficam inelegíveis. O peso das propostas reforça a resistência natural dos parlamentares em aprovar a medida. ¿Quase metade da Câmara tem ficha suja na primeira instância e 25%, na segunda. Como aprovar uma coisa dessas dentro da Casa? É uma missão impossível¿, analisa David Fleischer, cientista político da Universidade de Brasília (UnB).

Os recentes embates dentro da própria comissão especial que analisa o projeto já antecipam o clima conturbado que a proposta enfrentará. Parte dos deputados acredita que proibir candidaturas de políticos sem condenações definitivas é inconstitucional. Por outro lado, o expediente do foro privilegiado praticamente impossibilita o julgamento final antes da prescrição dos processos. Como a proposta será, fatalmente, questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), a estratégia dos apoiadores do projeto é aprová-lo em plenário o quanto antes. ¿Os termos, dificilmente, encontrarão consenso dentro da Casa. O melhor é a comissão não discutir a constitucionalidade, mas a importância do projeto, melhorá-lo. As questões jurídicas precisarão de uma interpretação do Supremo¿, analisa o deputado federal Flávio Dino (PCdoB-MA).

Motosserra

Para entidades sindicais e ONGs, a elaboração de listas serve para jogar holofotes sobre o comportamento de parlamentares a respeito de diversas questões pontuais. As organizações ambientalistas costumam ser as mais criativas. Depois de criar o troféu motosserra e apontarem os amigos e inimigos da Amazônia, a lista da vez é a dos ¿exterminadores do futuro¿, da SOS Mata Atlântica, com a colaboração da Frente Parlamentar Ambientalista da Câmara dos Deputados. A proposta é que o internauta sugira os nomes dos parlamentares com atuação danosa ao Código Ambiental. A eleição será filtrada pela Comissão e pela ONG. Em agosto, os vencedores do prêmio serão anunciados. ¿A reação ao projeto foi tão grande que os futuros exterminadores podem se exterminar politicamente antes mesmo das eleições¿, diverte-se o diretor da SOS Mata Atlântica, Mário Mantovani.

A pressão contra os parlamentares, pelo constrangimento, inclui listas que vão dos contrários à redução da jornada de trabalho até os inimigos dos aposentados. Desde o ano passado, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e Mogi das Cruzes mantém o ¿Placar das 40 horas¿, com deputados e senadores paulistas contrários à diminuição da carga horária trabalhista. O único entrave às campanhas é a exposição restrita à internet. ¿Esse tipo de prática precisa de visibilidade para dar certo. E a internet ainda não alcança o país inteiro¿, explica Fleisher.

Memória Efeito colateral

Durante as eleições municipais de 2008, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) decidiu impugnar as candidaturas de todos os políticos com ficha suja do estado, com base na Lei de Improbidade Administrativa. A questão foi parar no Tribunal Superior Eleitoral, que decidiu pela ilegalidade da medida. A decisão da Corte, porém, demorou cinco semanas. Tempo suficiente para que a lista dos impugnados corresse a internet e os meios de comunicação. Nenhum dos candidatos com ficha suja conseguiu passar pelo crivo das urnas. ¿O tribunal criou um fato jurídico apenas para conseguir divulgar quem eram os candidatos com ficha suja e conseguiu que eles não se elegessem. O TSE investirá agora na mesma estratégia¿, explica o cientista político David Fleisher. (II)

Clique engajado

Projeto Excelências Traz uma lista de governantes que cometeram crimes contra a administração pública www.transparencia.org.br

Exterminadores do futuro Promove eleição simbólica de políticos que tenham ação considerada prejudicial ao meio ambiente www.sosma.org.br/exterminadores

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