Título: A concorrência bancária e o CIP dos juros
Autor: Alkmin , Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 03/06/2009, Opinião, p. A12

Em pleno Século XXI decidiu-se que os juros do BB serão fixados atendendo às orientações dos burocratas

O Conselho Interministerial de Preços (CIP), que funcionou entre 1968 e 1991, mantinha os hoje funcionários da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE) analisando mensalmente mais de 1.000 pedidos de aumento de preços. Quando criado, foi apontado como a solução ideal para controlar a inflação sem impedir o desenvolvimento. Nem todo seu poder, porém, impediu a escalada inflacionária dos anos 80, evidenciando a sua ineficácia como instrumento de política econômica.

Desde 1991, contudo, muita coisa mudou. Houve redução das alíquotas de importação, de forma a ampliar a concorrência; o uso de política fiscal e monetária para controlar a demanda agregada ficou mais eficiente; foi promulgada a Lei 8884/94, que implantou no país uma moderna lei da defesa da concorrência, além das privatizações. Até mesmo as atribuições da SEAE mudaram, passando a atuar no âmbito do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, em conjunto com as agências reguladoras e o Banco Central, em prol de uma intervenção do Estado restrita aos casos em que as falhas de mercado sejam maiores do que as de governo. Criar incentivos para que o próprio mercado fixe preços baixos e ofereça produtos com maiores qualidade e volume passou a ser o novo norte dessas instituições. Essa postura mostrou-se mais eficaz no controle dos preços que o poder discricionário do CIP.

Desde o início da crise financeira, no entanto, se observa uma onda mundial intervencionista. Talvez motivados por essa discussão acerca do papel do Estado, algumas autoridades têm defendido o que pode ser denominado de "CIP dos juros". Em pleno Século XXI, depois de tantos avanços, decidiu-se que o preço do empréstimo (juros) do Banco do Brasil (BB) será fixado atendendo às orientações dos burocratas, como fazia o antigo CIP.

Determinar que o BB passe a ter uma taxa de juros artificialmente baixa, ou uma carteira de crédito artificialmente mais ampla, é perigoso. A reação do mercado foi a esperada: as ações do BB caíram e este passou a valer R$ 5 bilhões a menos. Queda na rentabilidade e aumento do risco de inadimplência são aspectos, portanto, já incorporados ao novo patamar do preço da ação.

Do ponto de vista individual, como ficarão os dividendos de um acionista minoritário, dado que a empresa é de capital misto? Do ponto de vista da política econômica, qual será o custo fiscal, dado que o maior acionista é o governo? Que governança é essa que, em vez de maximizar o valor da firma, faz diminuir o patrimônio de seus acionistas, em especial o maior deles, o contribuinte brasileiro?

O objetivo, segundo o governo, seria provocar uma guerra de preços, forçando os bancos privados a reduzirem na marra o spread bancário. Que o spread é alto no Brasil e que o volume crédito é baixo, não há dúvida. Que é preciso alterar esta situação o quanto antes, também é o desejo de todos os brasileiros. E que a crise travou o crédito, afetando negativamente a produção e o emprego, são fatos conhecidos e preocupantes. Mas a solução encontrada não foi boa.

O caminho mais fácil normalmente é o errado. Parece um equívoco voltar à época do CIP, estabelecendo (de certa forma) um tabelamento dos juros, usando como instrumento a redução do lucro de um banco de propriedade mista, o segundo maior do país. Foi assim que no passado inúmeros governos tornaram deficitárias as empresas estatais, deixando-as ineficientes e ultrapassadas, e quebraram seus bancos, acarretando enorme prejuízo à sociedade, tanto direta como indiretamente, através da inflação.

Ditar preço já é ruim; por meio do segundo maior banco do país, é pior ainda; e, além disso, usando uma empresa com ações na Bolsa, parece estranho. Os efeitos de longo prazo podem ser ruins para o mercado de crédito, crítico para o bom funcionamento dos demais, ainda que no curto prazo a ideia pareça popular. A verdadeira solução passa por ações complexas tecnicamente e difíceis de serem tomadas politicamente, como o cadastro positivo, mas não há melhor alternativa.

É evidente a necessidade de revisões nas políticas micro e macroeconômicas para levar à queda do spread no Brasil. Da sua decomposição, 38% dizem respeito à inadimplência, 18% aos tributos, taxas e impostos diretos e 4% ao compulsório. Se o Banco Central já está atuante no último aspecto, os dois primeiros, que representam mais de 50% do spread, deveriam ser "a meta" do governo. Mas não é o que vem sendo demonstrado, ainda que o discurso sugira diferente.

No caso da inadimplência, há que diminuir a assimetria de informação existente entre as partes. Os financeiramente saudáveis não podem continuar pagando a conta pelos duvidosos. Se o governo quer mais competição bancária, então porque vem permitindo o aumento da concentração no setor? Atualmente, 80% dos depósitos bancários estão nas mãos de cinco bancos. O discurso do desejo de uma guerra de preços é incoerente com essa atitude. O Banco Central está cortando a Selic e o compulsório, que são, indiscutivelmente, passos na direção correta. Mas, por outro lado, há um aumento dos gastos correntes, dificultando uma possível redução tributária, que ajudaria na queda do spread bancário. Mais uma incoerência.

Portanto, se reduzir o spread bancário e aumentar o crédito são obsessões das autoridades, que vão ao encontro do desejo popular, que sejam feitas de forma técnica, através de soluções de mercado. É compreensível a ansiedade do governo para a queda do spread, mas, infelizmente, aumentar o risco regulatório e a insegurança jurídica no sistema financeiro brasileiro não parece ser o melhor caminho para isso. Depois de tantas conquistas em termos de política econômica, seria uma pena regressar ao modelo CIP.

Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt é doutora em Economia pela EPGE/FGV-Rio. Ex secretária-adjunta da SEAE e economista do Ibre/FGV-Rio.