Título: Vocação conciliadora divide empresariado
Autor: Felício , César
Fonte: Valor Econômico, 03/06/2009, Especial, p. A14

O governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), reúne as principais virtudes políticas encontradas no presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sem ser de esquerda. Esta é a visão captada junto ao empresariado mineiro e paulista sobre o presidenciável tucano, que concorre dentro do partido em situação de desvantagem em relação ao governador paulista José Serra.

E virtude política, nesta situação, significa capacidade de agregação, ânimo conciliador e disposição em cumprir acordos, segundo definiu um dirigente de uma empresa do setor metalúrgico, ao comparar Aécio a Lula. Para este alto executivo, Lula só não se tornou o presidente ideal, dada a sua capacidade de conseguir consensos, por não acreditar em reformas limitadoras do tamanho do Estado. "Lula no fundo continua preso a crenças arraigadas na esquerda. O Aécio é um Lula do nosso lado", afirmou. A visão não é uníssona. No meio empresarial a vocação de Aécio à conciliação ora é louvada ora é temida como indicativo de que um governo, sob o seu comando, hesitaria em tomar medidas impopulares.

Ao longo do último mês, o Valor ouviu 13 presidentes de empresas ou dirigentes de classe, sete em Minas Gerais e seis em São Paulo, sobre a sucessão presidencial em 2010 e a impressão pessoal sobre os potenciais candidatos. Apenas um, o presidente da Souza Cruz, Dante Letti, aceitou ser identificado. "Aécio Neves tem um discurso empolgante, que mostra ser capaz de ajustar esta base que temos hoje, que é boa, e de somar novas ideias. Seu discurso não é desagregador, ele reúne características de um conciliador. Além disso Aécio fez um bom trabalho na profissionalização da máquina pública", afirmou.

Letti referiu-se ao programa de "choque de gestão", o estabelecimento de metas de desempenho no funcionalismo público, marca do primeiro mandato de Aécio, em um ação governamental que contou com a assessoria do Instituto Nacional de Desenvolvimento Gerencial (INDG), um instituto de consultoria empresarial, liderado pelo engenheiro Vicente Falconi e que tem o empresário Jorge Gerdau Johannpeter como presidente do Conselho de Administração. Pioneiro na contratação do INDG para consultoria, Aécio foi seguido por outros administradores, até mesmo do PT, como o governador da Bahia, Jaques Wagner.

A indústria do cigarro tem um histórico de contenciosos com o principal adversário de Aécio no PSDB, o governador de São Paulo, José Serra. Quando ministro da Saúde, Serra proibiu a publicidade de cigarro, sem aceitar discutir o tema com o setor empresarial. No governo paulista, sancionou recentemente uma legislação que restringe drasticamente o fumo em ambientes públicos. Exatamente nesta questão os empresários direta ou indiretamente atingidos testaram a diferença entre os dois governadores tucanos.

Empresários do ramo de restaurantes reuniram-se com integrantes do governo mineiro para saber como Aécio se posicionaria diante do tema. Ouviram que o governador não tinha interesse em adotar uma legislação restritiva como a paulista. E que iria procurar agir em sintonia com o que o governo federal dispusesse sobre o assunto. Caso se visse obrigado a fazer uma lei, não o faria sem ouvir setor. Os empresários saíram do encontro satisfeitos.

Segundo um dos articuladores desta reunião, o principal motivo de alívio é que eles já haviam obtido do governo federal sinais de que as gestões do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, para que a União adotasse o rigor paulista seriam barradas na Casa Civil, comandada pela ministra Dilma Rousseff, a presidenciável petista.

Este empresário dono de restaurantes, obviamente, considera Aécio agregador, conciliador e cumpridor de acordos. A avaliação, contudo, existe mesmo entre empresários com pouca relação com o poder estadual, como a incorporação imobiliária. "Aécio é conhecido nos meios empresariais por ser um político que cumpre fielmente os acordos estabelecidos", disse o presidente de uma empresa atuante na construção civil.

A proximidade de Aécio com o meio empresarial não se sustenta apenas em situações de conjuntura. Conta com raízes remotas, ligadas a situações familiares do governador mineiro. Aécio foi enteado de Gilberto Faria, ex-proprietário do Banco Bandeirantes, posteriormente absorvido pelo Unibanco. Sua irmã Andréa casou-se com Luiz Marcio Pereira, diretor do Sebrae mineiro.

Ao eleger-se governador, em 2002, Aécio abriu a administração estadual para o empresariado de uma maneira que seus antecessores jamais haviam ousado. Aécio chamou consultores empresariais para, sob a coordenação do então secretário de Planejamento, o hoje vice-governador Antonio Anastasia, implantarem as metas de desempenho na máquina pública.

E nomeou para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico uma sequência de executivos ligados à Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg): Wilson Brumer, o atual prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda (PSB), e Sérgio Barroso, que está atualmente no comando da Pasta. Coube principalmente a Brumer, executivo que reestruturou a siderúrgica Acesita depois da privatização, atrair para o Estado investidores receosos depois do histórico de conflitos que marcou o governo de Itamar Franco.

Seu atual secretário da Agricultura, Gilman Viana, foi vice-presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e presidente da federação da agricultura mineira. Sua secretária de Turismo, Erica Drummond, é a controladora da rede de hotéis Ouro Minas.

Aécio montou um grupo de quinze presidentes de empresas com quem se reúne a cada bimestre, no Palácio das Mangabeiras, para avaliações de conjuntura. Também cultiva relações com acadêmicos e executivos do meio financeiro vinculados à "Casa das Garças", um centro de estudos no Rio de Janeiro onde se encontram os ex-colaboradores da equipe econômica do governo Fernando Henrique Cardoso que montou e geriu o Plano Real.

Como governador, estruturou uma parceria público-privada (PPP) na área da telefonia móvel, o "Minas Comunica", que expandiu serviços da Oi, Claro e Vivo para 412 municípios do Estado.

Na área da educação, enquanto os governos tucanos em São Paulo expandiam as escolas de ensino técnico, conhecidas como Fatecs, o governo mineiro criou um programa de parceria. Lançou em 2007 o Programa de Ensino Profissionalizante (PEP), por meio do qual credenciou 34 instituições privadas que ofereceram vagas a 36 mil alunos.

O governador mineiro tenta implantar outras parcerias com o setor privado em áreas polêmicas, como a da segurança pública. Neste ano, um consórcio formado cinco empresas ganhou a licitação para uma parceria público privado na área da segurança pública.

O grupo construirá e administrará por 27 anos um complexo penal para 3 mil detentos. Receberá para tal o equivalente a R$ 74 a diária por vaga, o que resulta em um ganho de aproximadamente R$ 81 milhões por ano. O governo aguarda apenas a formação de uma sociedade de propósito específico para a assinatura do contrato.

A relação com o empresariado foi construída sem que Aécio diminuísse a estrutura do Estado, que em Minas Gerais é proporcionalmente maior do que em São Paulo. A péssima repercussão política das privatizações feitas pelo antecessor tucano Eduardo Azeredo (PSDB), cujos efeitos foram atenuados no governo de Itamar Franco, transformaram privatizações e concessões em um anátema na política local muito mais forte do que no contexto paulista. E desde muito antes de Juscelino Kubitschek o Estado mineiro é visto como indutor de desenvolvimento. Até os anos 70, o governo estadual ainda era dono de hotéis e matadouros. E até 1987 era sócio da montadora de automóveis Fiat.

O governo mineiro conta com um banco de desenvolvimento, o BDMG, que deve conceder em empréstimos este ano R$ 1,3 bilhão, valor semelhante ao previsto para a agência de fomento criada em São Paulo para substituir o banco estadual Nossa Caixa, vendido por Serra para o Banco do Brasil.

A terceira maior empresa mineira em faturamento é a Cemig (depois de Fiat e Usiminas), geradora e distribuidora de energia de capital misto, controlada pelo governo do Estado. Desde que Aécio assumiu o governo, a Cemig entrou em uma fase de expansão que incomoda concorrentes e alguns investidores do mercado, receosos do peso político nas decisões estratégicas. No governo Aécio, a Cemig passou a participar do capital da Light no Rio de Janeiro, disputou o controle da CPFL em São Paulo e recentemente começou a negociar sua participação na CEB, a estatal brasiliense de energia. A Cemig conta com a subsidiária Gasmig, distribuidora de gás natural.

O governo mineiro controla ainda a Copasa, responsável pelo tratamento de água e esgotos, mas atenta a outros interesses: no ano passado, quando o Estado não conseguiu encontrar interessados para explorar as fontes de água mineral de Caxambu e Cambuquira, a Copasa assumiu a incumbência, e hoje disputa espaço neste mercado.

O Estado, em Minas, também é o controlador da Codemig, empresa que arrenda jazidas para mineradoras, aufere royalties e aplica os recursos nos mais diversos programas. De rodovias a parques balneários. Este ano, a previsão é de R$ 1 bilhão em investimentos. Saem da Codemig, por exemplo, os recursos para Aécio construir o centro administrativo do Estado, na periferia de Belo Horizonte.

Esta forte presença do Estado mineiro na economia faz com que alguns empresários pouco simpáticos à tese do Estado mínimo se entusiasmem com o governador mineiro. " Existe um PSDB de um liberalismo assassino. E há um PSDB diferente, com sensibilidade e visão de destino, que preza a infraestrutura nacional. Aécio Neves está no segundo grupo", diz um executivo de Minas Gerais.

O poder concedido por Aécio a auxiliares, sobretudo para o hoje vice-governador, faz o mineiro ganhar pontos no setor empresarial. Nos dois mandatos de Aécio, Anastasia tornou-se o virtual gerente do governo. "Aécio sabe delegar autoridade e cercar-se de auxiliares competentes. Não avoca imperialmente tudo para si", comenta um executivo da siderurgia.

"Aécio Neves sempre soube separar as coisas. Não nomeia amigos como assessores e nem se torna amigo destes. Isto garantiu a impessoalidade do governo", comentou um empresário que colabora com a administração do mineiro.

Mas Aécio não colhe apenas elogios na seara empresarial. Dois comandantes de empresas, um do ramo siderúrgico e outro da telefonia, demonstraram dúvidas sobre a disposição do governador mineiro de arcar com custos políticos de medidas impopulares. Na visão destes empresários, o perfil conciliador de Aécio faria com que o governador procurasse sempre as saídas políticas mais simples, ao contrário do que Serra e a ministra Dilma Rousseff tendem a fazer.

"Não contem com Aécio para tomar medidas impopulares, mas necessárias, na Presidência. Ele definitivamente não faria isso. Empurraria os problemas para frente, um pouco como o atual presidente o faz", afirma o presidente de uma empresa do setor siderúrgico.

Aécio ainda é visto com resistências no setor têxtil. Um investidor em Minas afirmou que só conhecia a ação do governo estadual em manobras para elevar a arrecadação. Queixa-se de que falta a Aécio uma visão própria de desenvolvimento, virtude que não faltaria a seus concorrentes no PSDB e no PT. "Nunca existiu política industrial em Minas. O que sempre existiu foi propaganda", afirmou.

No segmento sucroalcooleiro, Aécio Neves ganhou respeito pelos incentivos dados a novas usinas, sobretudo na região do Triângulo e do Alto Paranaíba, mas sua recusa em seguir o exemplo de São Paulo e não reduzir o ICMS desagradou um empresário do setor, que se disse considerar traído após investir no Estado.

No setor empresarial, Aécio ainda enfrenta ceticismo em relação à sua real disposição de concorrer à Presidência. Boa parte dos entrevistados considera provável a existência de um acordo em favor do governador paulista. "É nítida a falta de sustentação política no Aécio para esta pretensão", comentou um empresário do setor de energia.