Título: Alta do real preocupa o governo
Autor: Safatle , Claudia
Fonte: Valor Econômico, 03/06/2009, Finanças, p. C1

A apreciação do real é a maior preocupação do governo, nesse momento. A taxa de câmbio pode ser um fator de "desestabilização e de incertezas" nos próximos meses, diante de um processo lento de retomada do nível de atividade, avalia um economista influente do governo. "Pode entrar muito dinheiro externo, valorizar bastante o real e, depois, a situação se reverter, dependendo do que acontecer no resto do mundo", disse. Este ano o dólar (Ptax) atingiu cotação máxima de R$ 2,42 no dia 3 de março. Ontem, a taxa fechou a R$ 1,9370, representando uma valorização do real de 25,03% em relação àquele dia.

O Ministério da Fazenda e Banco Central concordam, porém, que a única coisa certa a fazer, por enquanto, é continuar reduzindo a taxa Selic e reforçar a comprar de reservas cambiais. Se há alguma divergência, ela se refere à velocidade e intensidade da queda da taxa de juros de agora em diante. A Fazenda acha que na reunião do Copom da próxima semana a redução deveria ser de 100 pontos base, o que levaria a Selic para 9,25% ao ano. O BC deu indicações de que diminuiria os cortes a partir de agora.

Está descartado, por ora, o retorno da cobrança do IOF de 1,5% sobre os investimentos estrangeiros em títulos de renda fixa e papéis da dívida pública. " O IOF foi tentado na outra vez (em março de 2008) e ainda assim o dólar caiu para R$ 1,50 poucos meses depois. O ingresso mais forte de dólares é para operações de bolsa de valores e, sem entrar no mérito da medida, o problema é que o IOF não pega essas operações", explicou o economista.

Quando o câmbio chegou a R$ 1,50, em agosto de 2008, argumentava-se, no governo, que isso era produto dos bons fundamentos da economia brasileira. Depois de setembro, com o agravamento da crise, viu-se que não era só isso, lembrou a fonte. "Havia uma grande especulação com derivativos (operações "target forward")" .

Mesmo a redução mais intensa do juros e um reforço na compra de reservas cambiais (com menor custo de carregamento), porém, não farão milagres. Na avaliação de técnicos do governo, a tendência continuará sendo de apreciação do real e o movimento pode perdurar até meados de 2010, quando a economia entraria em fase de franca recuperação e a campanha eleitoral estaria à plena carga (o que sempre produz alguma depreciação cambial no Brasil).

O máximo que o governo conseguiria, com a combinação de menos juros e mais reservas, seria uma redução na velocidade de valorização da moeda.

A apreciação do câmbio se deve a uma conjunção de fatores que pouco dependem da ação do governo brasileiro: a depreciação do dólar norte-americano frente as demais moedas; a recuperação dos preços internacionais das commodities; e uma menor aversão ao risco.

Dados estatísticos oficiais apontam uma altíssima correlação entre os preços de commodities e a cotação do real. Essa correlação já chegou a 0,98, quase na proporção de um para um. O mesmo ocorre com algumas outras moedas, como as da Austrália e Nova Zelândia.

Pondera-se que menos juros e maior compra de reservas cambiais podem não ter efeito algum sobre o câmbio, pois o fluxo de investimentos estrangeiros não decorre só diferencial de dos juros domésticos (bem mais elevados do que os juros externos).

De fato, o mercado é que vai determinar a taxa de câmbio, mas, segundo a fonte, juros menores e intensificação da compra de reservas podem pelo menos atenuar a apreciação do real. "O exportador continuará sendo afetado, mas será menos afetado do que se não fizermos nada", comentou.

Na avaliação de técnicos oficiais, a taxa de câmbio poderá chegar à casa de R$ 1,80 este ano, se uma pequena parte do volume de dinheiro no mundo continuar vindo para o mercado doméstico. Não se cogita aumentar tributos, pelo menos por agora, nem qualquer outra medida heterodoxa, como a imposição de uma quarentena para os dólares que ingressarem no país. "A principal variável de ajuste nesse caso é taxa de juros", reiterou a fonte.

No ano passado, antes da crise global, R$ 1,90 não seria uma taxa necessariamente ruim para o comércio exterior do país. Mas o mundo, hoje, não é comparável ao mundo pré-crise. Houve uma queda muito forte do nível de atividade econômica nas principais economias e a concorrência está muito mais acirrada.