Título: Obama tenta avançar agenda da paz no Oriente Médio
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Fonte: Valor Econômico, 04/06/2009, Opinião, p. A9

Parece mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um presidente americano encontrar uma saída para os explosivos problemas do Oriente Médio. Barack Obama começou a executar um plano cuja prioridade é reunir novamente em torno da mesa de negociações palestinos e israelenses e dar um impulso sério para a criação de dois Estados. Embora outras questões prementes estejam no visor da política externa dos EUA para a região, eles podem ser equacionados se o primeiro objetivo for bem encaminhado. O efeito demonstração de uma paz entre Israel e a Autoridade Palestina seria crucial no mundo árabe e certamente facilitaria a abertura de um diálogo com os iranianos, que podem construir uma bomba atômica, e ajudaria a retirar o apoio das alas extremistas muçulmanas, que espalham destruição pelo Afeganistão e Paquistão. Para cortar o caminho de Bin Laden e sua Al-Qaeda, a melhor coisa que Obama pode fazer é conseguir resolver a questão palestina.

A retórica dos EUA com Obama, da busca do "interesse mútuo" com "mútuo respeito", já foi o suficiente para criar as mais favoráveis expectativas para suas iniciativas, que estão sendo testadas em visita à Arábia Saudita e Egito e que culminará com um discurso para o mundo islâmico na Universidade do Cairo. Que Ossama bin Laden tenha emitido das cavernas um comunicado para advertir que a política de Barack Obama é a mesma de George W. Bush apenas reflete o descontentamento com a percepção positiva do presidente americano junto aos árabes, já captada nas pesquisas de opinião. Mas os problemas regionais são tão intratáveis que as boas intenções - tanto com as más - têm sido implacavelmente destruídas pela realidade.

Israel fez uma volta ao passado de duas décadas com a eleição do radical-oportunista Binyamin Netanyahu e de um governo que agrupa alas ainda mais extremistas do espectro político. Um dos símbolos do atraso de seu governo é o chanceler Avigdor Liberman, do Yisrael Beitenu, partido de ultra-nacionalistas que recentemente tentou aprovar no Congresso legislação que obrigasse todos os árabes residentes em Israel a prestarem juramento de fidelidade ao Estado judeu. Os parlamentares sepultaram esta aberração, mas outras virão.

O governo israelense agora nega a conveniência da existência de dois Estados, algo que consta de todas as tentativas de acordo fracassadas nos últimos 18 anos, e incentiva com afinco a retomada dos assentamentos em terras palestinas da Cisjordânia. E, confiantes na subserviência histórica da política americana aos interesses de Israel, tanto Netanyahu quanto seu ministro da Defesa, Ehud Barak, mesmo após se reunirem com Obama, cogitam bombardear instalações no Irã para impedir que o país tenha acesso à bomba atômica. Um dos argumentos da direita israelense é que ninguém controla os radicais palestinos e que a desocupação dos territórios apenas abriria espaço para que o Hamas os utilizasse para atacar Israel, como fizeram na Faixa de Gaza. É convenientemente deixado de lado que a mesma direita, com sua política cega, teve o efeito de minar todos os terrenos nos quais se poderiam apoiar os moderados palestinos.

Sem mostrar que fala sério com Israel, a retórica de Obama será desmoralizada na prática e uma de suas tarefas será dobrar o atual governo para que pare com os assentamentos e venha à mesa de negociação. Para isso, muito esforço será necessário despender para reconciliar as facções palestinas e também empurrá-las para o diálogo, algo igualmente difícil. Para isso, Obama conta com sua ofensiva diplomática junto à Síria e aos governos ditatoriais árabes. Não deixa de ser irônico que Obama faça seu discurso na presença do ditador Hosni Mubarak, há 27 anos no poder, o mesmo que ouviu de Condoleezza Rice, então secretária de Estado de Bush, que o Egito deveria se mover para a democracia. Mubarak fez eleições de fachada e prendeu a oposição.

Obama pulará a questão democrática, para tentar obter apoio para o que considera seu objetivo principal, a paz entre Israel e os palestinos. Isso pode parecer mais realista ou uma forma mais esperta de encarar as coisas, mas a alternativa de "impor a democracia" de Bush, além de hipócrita, terminou em tragédia.