Título: Câmbio breca recuperação da indústria
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 05/06/2009, Brasil, p. A3

O faturamento em queda, o desemprego recorde, a redução das horas trabalhadas e a diminuição do poder de compra dos assalariados da indústria, em abril deste ano, levam os economistas da Confederação Nacional da Indústria (CNI) a defender que a valorização do real em relação ao dólar já ajuda a interromper o débil processo de recuperação das empresas industriais, iniciado há dois meses. Segundo o relatório Indicadores Industriais, da CNI, divulgado ontem, só um dado positivo foi registrado em abril: a maior ocupação da capacidade nas fábricas, confirmando o aumento na produção.

A massa salarial, produto do comportamento dos empregos e dos salários, decresceu, na indústria pelo segundo mês seguido, e foi, em abril, 2,7% menor que no mesmo mês do ano anterior. Esse indicador revela a perda de poder aquisitivo dos empregados da indústria, que têm papel importante na sustentação do consumo de mercadorias de maior valor. A recuperação das vendas do varejo vem se sustentando principalmente pelos aumentos nas transferências de renda dos programas governamentais e no aumento do salário mínimo para outras categorias de trabalhadores.

"O mercado de trabalho não vai se recuperar tão cedo, deve ficar, neste ano, em níveis abaixo dos de 2008", previu o economista-chefe da CNI, Flávio Castelo Branco. A redução na massa salarial se deve à queda forte no emprego industrial, apesar da retomada na produção. O indicador dessazonalizado, que exclui efeitos típicos do mês, mostrou uma redução no emprego industrial de 1,1% em relação ao mês anterior, a maior taxa negativa em seis anos, que leva o volume de empregos ao mesmo patamar de setembro de 2008.

Esses índices foram acompanhados da estabilização das horas trabalhadas na produção e da queda no faturamento, que só não caiu em quatro setores, dos 19 da indústria de transformação. Escaparam da tendência geral os setores de minerais não metálicos, alimentos e bebidas, edição e impressão e o de "outros equipamentos de transporte" (aviões, equipamentos ferroviários, veículos especiais). A queda foi mais pronunciada em produtos de madeira (35%), máquinas e equipamentos (34%) e artigos de borracha e plástico (20%).

Em março, só havia caído o faturamento em seis setores; e, para toda a indústria, a variação do faturamento ficou pior em abril que em março. Na média, a queda foi de 10,7% na comparação entre abril de 2009 e abril de 2008. "Houve recuperação neste ano, mas ainda há um pouco de volatilidade", comentou o economista da CNI Marcelo de Ávila. "Há sinais de recuperação, mas não são dominantes", confirma Castelo Branco. Ele defende que só a recuperação internacional e, especialmente, a decisão de reduzir significativamente as taxas de juros poderão sustentar a continuidade da retomada do crescimento na indústria. "Cortar os juros em 0,75% não seria má ideia", comentou.

O único sinal positivo dos indicadores industriais foi a redução da ociosidade da indústria, com um aumento de 0,5 ponto percentual na utilização da capacidade instalada, de março para abril. A indústria passou a trabalhar, em média, com 78,7% da capacidade - no indicador dessazonalizado, esse percentual é de 79,2%. A ocupação da capacidade na indústria ficou, nos primeiros cinco meses do ano, 4,7% abaixo do patamar alcançado no mesmo período do ano passado.

A pequena queda na ocupação da capacidade da indústria de máquinas e equipamentos mostra que há espaço para recuperação dos investimentos sem risco de se esbarrar em pressões superiores à oferta, segundo avaliou o economista-chefe do banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.

Para Castelo Branco, ainda é impossível verificar uma tendência para a produção industrial, devido à heterogeneidade na situação da capacidade ociosa, que caiu em 17 setores industriais, se comparado o mês passado com abril de 2008, mas teve queda menor do que a verificada em março, comparado a março do ano passado. "Por esses fatores dizemos que estamos em transição, para uma possível recuperação só no segundo semestre", prevê o economista.