Título: Bancos reagem e recuperam valor
Autor: Carvalho , Maria Christina
Fonte: Valor Econômico, 08/06/2009, Finanças, p. C1
Maio marcou o terceiro mês consecutivo de recuperação das cotações dos bancos no mundo todo. Fevereiro parece ter sido o fundo do poço. Os bancos brasileiros reagiram com mais gás, consolidando o lugar de destaque que obtiveram no ranking internacional. Itaú Unibanco até subiu mais no ranking, assumindo o 12º lugar; e o Bradesco manteve o 29º posto. Enquanto isso, bancos de renome internacional despencaram. O Citigroup, que ocupava o 19º lugar no ranking no fim de 2008, escorregou para o 82º posto. O Lloyds está em 65º lugar; o Bank of New York Mellon, em 43º; e o Barclays, em 31º.
Seis motivos explicam a maior resistência dos bancos brasileiros à crise, segundo avaliação do Boston Consulting Group (BCG): menor exposição a ativos tóxicos, receitas diversificadas, menos alavancagem, menor contração da liquidez, demanda e receita pujantes e regulação conservadora.
A posição favorável dos bancos brasileiros abre oportunidades de curto e longo prazo, internas e externas, avalia o BCG. Uma dessas oportunidades é a expansão internacional, disse o sócio do BCG, André Xavier. A primeira fronteira a ser cruzada, acrescentou, é a dos mercados da América Latina. Os principais mercados alvos são Argentina, Chile e México. "Os bancos brasileiros estão em posição competitiva que lhes permite alavancar forças locais e ir para o exterior. O sistema brasileiro é o mais sofisticado da região", disse Xavier.
Para o consultor, a expansão deverá ser por meio de aquisições, uma vez que o crescimento orgânico é de retorno lento. O especialista evita prever quando isso vai ocorrer, já que o passo dependerá do surgimento de uma oportunidade de aquisição. "Mas é provável que ocorra no próximo ano. Este ano dificilmente haverá negócio porque os bancos estão afetados pela crise e as aquisições feitas em 2008 que deixaram a agenda cheia", disse Xavier. Mas os "jogadores já revelaram apetite", afirmou o diretor do BCG, Flavio Magalhães.
A crise internacional chegou a queimar US$ 5,5 trilhões em valor de mercado dos bancos no mundo todo, de acordo com dados do BCG, entre o fim de 2007 e o início de 2009. O valor de mercado dos bancos chegou ao pico de US$ 8,8 trilhões no segundo semestre de 2007 e desabou para US$ 4 trilhões no fim de 2008, perdendo 52,2% em relação aos US$ 8,3 trilhões de dezembro de 2007.
A queda acentuou-se no início deste ano, com o valor de mercado do sistema financeiro global recuando para US$ 3,1 trilhões no que parece ter sido o fundo do poço, em fevereiro. A partir de então começou a tímida recuperação, com o valor de mercado subindo a US$ 3,6 trilhões no fim de março, US$ 4,3 trilhões no fim de abril e US$ 4,9 trilhões no fim de maio, sob o efeito positivo dos resultados do teste de estresse nos bancos americanos e alguma recuperação da demanda. Os dados fazem parte da sétima edição do relatório "Creating Value in Banking", desta vez com o tema "Living with New Realities". O patamar atual ainda é 50% do pico histórico de 2007, mas a recuperação parece em curso. "Não saberia dizer se será em V, U ou em W, e se será duradoura", disse Xavier.
Já o valor de mercado dos bancos brasileiros parece consistentemente em alta nos últimos meses. O pico também foi no segundo semestre de 2007, em outubro, quando chegou a US$ 221,5 bilhões. Ao final de 2008, estava em US$ 114,7 bilhões, com queda de 42,4% no ano, enquanto o valor dos bancos internacionais encolheu 51,8% no mesmo período. No fim de maio, o valor de mercado dos bancos brasileiros já havia subido 43,6% no ano, para US$ 164,7 bilhões.
O impacto da crise nos bancos brasileiros também foi atenuado pela boa performance, o que contrabalançou o efeito deterioração das expectativas nas cotações em bolsa. "No Brasil, assim como na China, a crise foi mais industrial do que financeira", disse Xavier.
Apesar do desastre de 2008, os bancos brasileiros resistiram melhor do que a média das instituições internacionais à crise global e garantiram aos acionistas o maior retorno nos últimos cinco anos. A taxa média de retorno oferecida pelos bancos brasileiros aos acionistas, em valorização das ações e dividendos distribuídos, foi de 29% ao ano de 2004 a 2008, segundo levantamento feito pelo BCG. Já o retorno oferecido pela média dos bancos internacionais caiu 4% ao ano no mesmo período.
Os bancos que mais se aproximaram dos brasileiros em retorno aos acionistas foram os russos, com ganho de 26% ao ano nos últimos quatro anos. Os outros membros do seleto grupo dos Bric também se saíram bem. Os bancos indianos deram retorno médio de 17%; e os chineses, de 3%. Já os bancos americanos, alemães, franceses e ingleses causaram perdas aos acionistas, na média de 9% ao ano no período, diz o estudo do BCG. Quando considerado apenas o ano de 2008, até os bancos brasileiros perderam, embora menos que a média mundial. O retorno dos acionistas com os bancos brasileiros caiu 46,1% em dólares (28% em reais) em 2008 menos do que os 53,6% perdidos pelos bancos mundiais. "Ninguém saiu incólume", disse Xavier.
O crédito imobiliário limitado; um incipiente porém bem regulado mercado de securitização, com regras de transparência nos balanços; e pouca exposição a ativos estrangeiros livraram os bancos brasileiros da enchente de ativos tóxicos que contaminaram as grandes instituições internacionais. O crédito imobiliário é equivalente a 2% do Produto Interno Bruto (PIB) nos bancos brasileiros, mas chega a 66% nos EUA. Os ativos securitizados são registrados nos balanços e não ficam fora deles como em outros mercados, garantindo transparência e números confiáveis.
A diversificação das fontes de receita compensou as inevitáveis perdas com crédito. As instituições brasileiras, lembrou Xavier, têm um perfil de banco universal, com forte presença em áreas como seguros e administração de recursos. As receitas não relacionadas a crédito representavam 53% do total de receitas do Banco do Brasil (BB), 48% do Itaú e 39% no Bradesco, mesmo índice do JPMorgan. Segundo o sócio da consultoria, as receitas não relacionadas ao crédito deixaram os bancos brasileiros menos vulneráveis a crises financeiras e contribuíram para reduzir a pressão das provisões e as perdas com crédito.