Título: A tentação da elevação prematura dos juros
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 09/06/2009, Opinião, p. A12

Os mercados começaram a antecipar uma elevação futura da taxa de juros que o Federal Reserve Bank tem como meta no mercado de empréstimos entre bancos (overnight). As apostas de que o Fed irá puxar esses juros em sua reunião de novembro subiram de 25% para 58% no mercado futuro de Chicago. Em movimentos com direção semelhante, os títulos do Tesouro americano de dez anos subiram de 2,5% para 3,8% do início do ano para cá. De novo, o Fed está ante o dilema de procurar manter os juros baixos para levantar o mercado de hipotecas, onde a crise começou, comprando títulos do Tesouro, ou sancionar a alta prematuramente. O Fed anunciou em março que iria comprar US$ 300 bilhões de T-bonds para manter o juro de longo prazo baixo e, com eles, o financiamento de imóveis. Nas últimas semanas, porém, os investidores deixaram de lado as aplicações seguras nestes títulos para se aventurarem a obter melhor remuneração nos países emergentes, forçando os rendimentos para cima.

As incertezas do mercado agora se deslocam para o destino da montanha de dinheiro que foi colocada às pressas para debelar a mais grave crise financeira em quase um século. A hipótese subjacente, corroborada por alguns indicadores, é a de que a economia global está saindo da crise no segundo semestre e de que a piora dos indicadores logo será estancada. Se o jogo econômico voltar ao normal - uma aposta irrealista no curto prazo - entram no centro da cena os cavalares déficits públicos dos EUA, do Reino Unido e das principais economias europeias. Desse ponto de vista, as taxas dos títulos do Tesouro terão de subir não apenas porque a inflação projetada deixou de ficar próxima a zero para elevar-se a 2%, mas também porque os investidores estão querendo maior remuneração para um cliente que se endividou em demasia. O mais recente discurso do presidente do Fed, Ben Bernanke, foi um pedido para que o governo americano coloque em práticas medidas que, em um horizonte de tempo definido, aponte para o declínio de seus gastos e dos déficits.

Os sinais de reação econômica, visíveis sobretudo na alta das commodities, inclusive petróleo, são incipientes para indicar uma recuperação sólida. E a preocupação com a redução dos déficits públicos faz sentido apenas se a enorme rede de proteção lançada para impedir a quebra dos bancos perdeu boa parte de sua função. Há sinais de que ela começa a ser dispensada e um dos exemplos é o estado de semiabandono em que se encontra o plano para limpar os ativos tóxicos das carteiras dos bancos americanos por meio de leilões. Ao que tudo indica, ele está sendo discretamente arquivado. O fim da marcação a mercado retirou o interesse dos bancos em vender seus papéis podres, enquanto permitiu uma melhora contábil de seu patrimônio.

A impressão de que o mercado pode voltar a funcionar sem escoras é falsa. Sem limpar a carteira dos bancos, eles continuarão com a capacidade de emprestar restrita, e boa parte dos mercados de títulos ainda depende da garantia explícita do governo para operar. O risco caiu para os níveis pré-quebra da Lehman Brothers, mas porque há garantias públicas para várias transações e a maior de todas as garantias, a de que, aconteça o que acontecer, grandes brancos não quebrarão.

Não se sai de uma crise dessas proporções com um passe de mágica. Boa parte do débito público com a crise é uma contrapartida do desequilíbrio financeiro dos bancos, e não gastos típicos de governo. Se os bancos se revigorarem rapidamente - o que não deve acontecer-, a dinheirama do Fed e do Tesouro não será mais necessária. Para isso, no entanto, uma das condições é que os mercados de crédito voltem a funcionar a pleno vapor. O peso morto que carregam em seus balanços, porém, é um fator que limita a recuperação e impede a redução do déficit público. A menos que a reativação econômica seja sólida no segundo semestre - há indícios de que ela ocorrerá, mas a baixa velocidade - a elevação dos juros agora não resolveria nenhum problema e agravaria vários, podendo abortar a volta ao crescimento. Sem perigo inflacionário, não há razão para prematuramente elevar o custo do dinheiro em um momento em que o governo é o maior credor na praça, depois de ter ficado bom tempo sendo o único.