Título: Custeio e investimento: o que sabemos?
Autor: Manoel , Alexandre
Fonte: Valor Econômico, 09/06/2009, Opinião, p. A12

Sugerir a troca de custeio por investimento é obviamente mais fácil recomendar do que implementar

A preocupação com os efeitos macroeconômicos dos gastos públicos (custeio e investimento) é um tema que engloba uma extensa literatura. Nesse sentido, apesar de existir uma sabedoria convencional de que há superioridade absoluta do investimento público em relação ao custeio, no que diz respeito a um suposto impacto positivo sobre o produto daquele e um impacto negativo deste, afirmamos que, de maneira geral, do ponto de vista teórico, ainda não há consenso a respeito dessa superioridade nem no curto, nem no longo prazo. De fato, dependendo da forma como se modela a função de produção, obtêm-se performances positivas ou negativas do investimento público ou do custeio sobre o produto.

A título de ilustração, autores renomados da literatura de crescimento econômico, tais como Robert Barro, consideram alguns tipos específicos de gastos de custeio como produtivos. Em particular, aqueles bens providos publicamente sujeitos a congestionamento (gastos na manutenção dos serviços de abastecimento de água e esgoto sanitário, no Judiciário e na segurança pública) e gastos que contribuem para o acúmulo de capital humano (gastos com educação e treinamento). Notem que, no conceito de contas nacionais, a maioria desses gastos é alocada como consumo (custeio) do governo e poderia (pela sabedoria convencional) ter sua elevação entendida como prejudicial ao crescimento econômico, quando, de acordo com a modelagem de Barro, essa mesma elevação afetaria positivamente a produtividade dos fatores de produção.

Por sua vez, há autores, como Lant Pritchett, que apontam muitas evidências empíricas de investimentos que são considerados "elefantes brancos", isto é, investimentos públicos que não ampliam a capacidade produtiva da economia. Há, também, autores como Devarajan, Swaroop & Heng-fu que destacam a importância dos efeitos marginais dos gastos públicos, indicando que uma expansão acentuada de determinado tipo de gasto considerado produtivo pode vir a torná-lo improdutivo, ou seja, a produtividade do gasto depende do seu nível e composição que afetam os seus efeitos marginais.

Diante desse quadro teórico não consensual relativo aos efetivos impactos do gasto público (custeio e investimento) sobre o produto, é natural que muitos economistas sejam céticos e prefiram avaliar empiricamente os efeitos macroeconômicos dos gastos públicos, sem atribuir a priori uma superioridade para os investimentos públicos. Entre tantas outras estratégias de economistas que se debruçaram sobre esse tema ao redor do mundo, essa foi a adotada por Perotti (Perotti, R. (2004). "Public Investment: Another (Different) Look". University of Bocconi) e Mittnik & Neumann (Mittnik, S. and T. Neumann. (2001). "Dynamic Effects of Public Investment: Vector Autoregressive Evidence from Six Industrialized Countries", Empirical Economics 26, 429-446). Também foi essa estratégia que adotamos em Texto de Discussão a ser publicado pelo Ipea, sob o título "Impactos Macroeconômicos dos Gastos Públicos na América Latina".

Em nosso caso, avaliamos os impactos macroeconômicos dos principais componentes dos gastos públicos (consumo e investimento) sobre o PIB, consumo das famílias e investimento privado, em uma amostra de seis países da América Latina. Os países escolhidos foram Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Venezuela no período de 1970-2003. Trata-se de estudo eminentemente exploratório (de dados) do ponto de vista econométrico, que formalmente não testa qualquer modelo teórico.

No caso específico do Brasil, no longo prazo, encontramos uma relação negativa entre o consumo do governo (custeio) e o produto e, pela ausência de cointegração, não foi possível observar a relação entre investimento público e produto. Contudo, no curto prazo, não obtivemos superioridade do investimento público, sendo, pois, indiferente para o governo utilizar custeio ou investimento público para recuperar a atividade econômica no curto prazo, ao contrário do que a sabedoria convencional aponta.

Destaque-se também que, ao se analisar os resultados de todos os países investigados em nossa pesquisa, concluímos que o efeito do custeio sobre o produto depende do nível e da forma como o custeio evolui na margem. Em outras palavras, o espaço fiscal permitido para ampliar os gastos de custeio parece depender da forma como evolui a seguinte relação: nível de consumo governamental sobre investimento público. Em países que essa relação é alta, esse espaço fiscal é menor, e vice-versa. Assim, Argentina e Brasil estão com um pequeno espaço fiscal para expandir o consumo (custeio) público em relação ao Chile e México, por exemplo.

Naturalmente, no caso do Brasil, esse menor espaço fiscal decorre do fato notório de que, na última década, o ajuste fiscal recaiu basicamente sobre os investimentos públicos, preservando as despesas correntes, que, na maioria das vezes, são protegidas por dispositivos legais e constitucionais. Assim, sugerir a troca de custeio por investimento é obviamente mais fácil recomendar do que implementar. De fato, essa é uma discussão que ultrapassa a esfera ideológica, estando, pois, emaranhada em nossa estrutura institucional, a qual não contém adequado esquema de incentivos para buscar uma composição "ótima" de gasto público.

Concluindo, não se pode descartar a hipótese (aparentemente não-testável) de que determinados investimentos públicos, como os de em infraestrutura, geram expectativas positivas na economia, carreando novos investimentos privados a médio e longo prazo, embora não produzam efeitos significativos no produto no curto prazo. Dessa forma, justificar-se-ia o espaço fiscal para esses investimentos como contribuição da política fiscal para uma recuperação "mais" consistente da atividade econômica, sobretudo nesse ambiente de expectativas deterioradas.

Alexandre Manoel Angelo da Silva é pesquisador do Ipea.

José Oswaldo Cândido Júnior é pesquisador do Ipea cedido ao Senado.