Título: Cade multa cartéis, mas TRF impede o pagamento
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 09/06/2009, Empresas, p. B1

Empresas condenadas por cartel pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) do Ministério da Justiça estão se beneficiando de uma indefinição no Tribunal Regional Federal (TRF) de Brasília e, com isso, se livrando de punições de dezenas de milhões de reais.

O problema é que o TRF não definiu onde devem ser julgados os recursos contra as decisões do Cade: na seção que julga multas ou na que julga casos de direito administrativo. O Cade é um tribunal administrativo e, portanto, os recursos das empresas contra as suas condenações deveriam, a princípio, ser julgados na 3ª Seção, que cuida dos assuntos de direito administrativo. Já a 4ª Seção trata de questões ligadas a multas. Como o Cade aplica multas às empresas, a 4ª Seção também seria competente para analisar os recursos contra as decisões do órgão antitruste.

A confusão teve início, em 2004, quando o regimento do TRF foi alterado. Naquele ano, ficou definido que cabe à 4ª Seção o julgamento de recursos contra a imposição de multas. Assim, antes de 2004 os julgamentos envolvendo o Cade iam para a 3ª Seção. Depois, criou-se um imbróglio. Com ele, deu-se a paralisação dos julgamentos de casos paradigmáticos de cartel, como o do aço e o das britas.

A primeira condenação por cartel da história do Cade - o "cartel do aço" - completará dez anos em outubro e ainda aguarda por uma definição na Justiça (ver quadro abaixo). Em 1999 o órgão antitruste aplicou R$ 58,4 milhões em punições às siderúrgicas CSN, Usiminas e Cosipa. Elas recorreram contestando os fundamentos e as provas utilizadas pelo órgão antitruste - uma reunião das empresas no Ministério da Fazenda foi considerada pelo Cade como prova de cartel. Após mais de dois anos esperando o julgamento na 3ª Seção, o julgamento foi marcado. Só que nele, ao invés de decidir o mérito da condenação por cartel, os desembargadores optaram por enviar o processo à 4ª Seção.

"Conversei com os desembargadores e expliquei a dificuldade de os processos irem de um lado para o outro", afirmou o procurador-geral do Cade, Gilvandro Araújo. "Nesses casos, o que pedimos à Justiça é que julguem rapidamente", completou.

A solução estaria numa definição pelo Órgão Especial do TRF. Essa é a instância que soluciona divergências entre as seções. Mas como os desembargadores da 3ª Seção costumam votar contra a posição daqueles que ocupam a 4ª e vice-versa, há uma diferença mínima nessas votações, algo como um ou dois votos, o que não é suficiente para criar jurisprudência e dar uma orientação geral.

Advogados que atuam no Cade acreditam que essa indefinição prejudica a aplicação das decisões antitruste e que a Justiça ainda pode demorar para definir as diretrizes em casos de cartel. "É realmente problemático, uma vez que fragiliza a instituição no que diz respeito ao cumprimento das decisões", advertiu Juliana Oliveira Domingues, do escritório L.O. Baptista Advogados Associados. "Isso mostra que ainda não há uma jurisprudência sólida sobre esses assuntos, o que pode gerar certa insegurança jurídica", completou a advogada. "Esses institutos são novos", afirmou Eduardo Gaban, do escritório Sampaio Ferraz Advogados. "É um processo natural em que o Judiciário terá de definir como julgar as condenações de cartéis", ressaltou Gaban.

Entre os casos que aguardam definição, há condenações de dezenas de milhões de reais. No caso do "cartel das britas" - o primeiro em que houve busca e apreensão de documentos na sede das empresas -, apenas uma companhia (a Holcim) pagou a multa imposta em agosto de 2005. As outras 16 empresas condenadas por combinar preços de pedras vendidas no mercado de construção civil recorreram ao Judiciário. Com isso, ficou indefinida a cobrança de R$ 60 milhões em multas.

Em vários casos, o Cade consegue que as empresas paguem as multas em juízo - à espera de um resultado final. Isso ocorreu no "cartel dos vergalhões", em que foram aplicadas multas a três companhias (Gerdau, Belgo Mineira e Barra Mansa) que somadas ultrapassam R$ 345 milhões. Mesmo assim, não há uma decisão definitiva sobre a condenação. O julgamento antitruste ocorreu em setembro de 2005, mas não há previsão para o julgamento na 1ª instância da Justiça Federal, em Brasília, de onde provavelmente o processo subirá para o TRF e vai esbarrar no dilema de qual Seção deve decidir o assunto.