Título: Propostas para a política cambial
Autor: Gala , Paulo
Fonte: Valor Econômico, 10/06/2009, Opinião, p. A10

A taxa de câmbio no Brasil vem se apreciando fortemente nas ultimas semanas, trazendo riscos consideráveis para a trajetória de nossa economia no médio prazo. Como muitos autores tem argumentado na literatura recente que trata dos efeitos do câmbio no processo de desenvolvimento econômico, as taxas de câmbio nominal e real resultantes das transações de mercado não implicam necessariamente em níveis ótimos do ponto de vista do desenvolvimento. Nesse sentido, torna-se necessário uma administração da política cambial com foco específico na promoção do desenvolvimento econômico. A literatura atual sobre o tema aponta para pelo menos três aspectos que seriam fundamentais num regime deste tipo: I) estabilidade e competitividade, II) ausência de metas explícitas e III) articulação com a política macroeconômica.

Um nível competitivo e estável da taxa de câmbio tem efeitos benéficos para a economia doméstica na medida em que estimula a produção de manufaturas para o mercado interno e mundial. Ao aumentar a rentabilidade da produção de bens comercializáveis industriais, um câmbio competitivo estimula o aumento de produção e investimento de indústrias nesse setor, rico em economias de escala, o que acaba por promover fortemente o aumento da produtividade dos trabalhadores. É importante fazer aqui um contraponto à tese de que um câmbio relativamente apreciado pode estimular aumentos de produtividade pois reduz o preço de máquinas importadas. De fato, dois canais operam em relação aos efeitos do nível do câmbio na produtividade doméstica. O primeiro diz respeito ao aumento de escala de produção e utilização de retornos crescentes estáticos e dinâmicos estimulados na indústria por um câmbio competitivo. O segundo diz respeito à incorporação de máquinas importadas em processos produtivos domésticos estimulada por câmbios apreciados. O efeito final do nível do câmbio na produtividade doméstica dependerá da força relativa de cada um desses dois canais.

A meu ver, o primeiro canal é mais importante e tende a sobrepor o segundo. Em processos de intensa apreciação cambial, a rentabilidade da produção de bens industriais para exportação e mercado doméstico se reduz, o que acaba por desestimular a importação de máquinas que poderiam melhorar a produtividade deste setor. Os únicos setores imunes a esse problema são aqueles produtores de bens não comercializáveis cuja rentabilidade não depende do nível da taxa de câmbio. Pode haver também um aumento de escala de produção industrial puxada pelo mercado interno, apesar da sobrevalorização do câmbio. Entretanto, mesmo nesse caso a trajetória da economia tende a ser insustentável devido à deterioração das contas externas. Um câmbio competitivo e estável, por outro lado, tende a promover o aumento de produtividade da economia e colocá-la numa rota de crescimento sustentável na medida em que mantém as contas externas em posição confortável.

Apesar de uma taxa mais competitiva de câmbio apresentar vantagens em relação a níveis mais apreciados quanto à dinâmica de produtividade, produção e equilíbrio de contas externas, a história recente mostrou que metas explícitas de câmbio são praticamente inviáveis devido à ocorrência de ataques especulativos. Tentativas de se fixar uma taxa específica no mercado acabam se tornando alvo de dinâmicas especulativas na medida em que agentes financeiros tem um estímulo muito forte para derrubar o regime. Num ambiente de conta capital relativamente aberta, a taxa de câmbio passa a se comportar como um ativo financeiro e, portanto, torna-se muito difícil para qualquer governo controlar seu preço. Na arquitetura financeira atual o que é possível fazer, portanto, é uma intervenção assimétrica no mercado de câmbio, privilegiando a manutenção de taxas competitivas e relativa estabilidade num regime flutuante através de pesadas compras de reservas cambiais em momentos de bonança e, no limite, através da adoção de controles de capital a entrada como fez com sucesso o Chile nos anos 80.

As intervenções podem ser feitas, preferencialmente, a partir da geração de superávits correntes nas contas do governo como têm feito países asiáticos ou ainda a partir da criação de um fundo de estabilização cambial com financiamento via dívida pública que seria criado pelo governo com o objetivo de administrar a política cambial. Nesse último caso, os níveis de taxas de juros devem ser menores ou iguais aos juros externos para que a política de acumulação de reservas seja sustentável. Um regime cambial deste tipo deverá estar também fortemente articulado com a política monetária e fiscal para que seja efetivo. Em relação à política monetária é necessário que se faça uma flexibilização do atual regime de metas de inflação para que os objetivos da política cambial sejam acomodados. Não há necessidade de se colocar a taxa de câmbio explicitamente como objetivo da política monetária, mas a meta implícita de competitividade do câmbio real deve ser levada em consideração no manejo do regime monetário. A sobrevalorização cambial não pode ser utilizada como arma complementar no combate a inflação como vem sendo feito recentemente no país. No limite, num regime como esse, a responsabilidade pelo controle da inflação e manejo da demanda agregada recai sobre a política fiscal. Uma política fiscal austera e geradora de superávits nominais é fundamental, portanto, para a manutenção do câmbio num nível competitivo.

Uma política cambial anticíclica e assimétrica com foco no desenvolvimento econômico tem como principal objetivo manter o câmbio real numa posição estável e competitiva e, portanto, promover o aumento da produtividade doméstica via aumento da escala de produção industrial para o mercado doméstico e mundial. O aumento de produtividade decorrente da transformação estrutural da economia possibilita o aumento do salário real de maneira sustentada no longo prazo, ao contrário das políticas de apreciação cambial que acabam promovendo aumentos passageiros e insustentáveis de salários reais no curto prazo.

Paulo Gala é economista da Escola de Economia de São Paulo-FGV/SP.