Título: Juro a empresa cai menos que Selic
Autor: Travaglini , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 10/06/2009, Finanças, p. C1

A Selic deve atingir hoje o patamar de um dígito, acumulando queda de mais quatro pontos percentuais desde janeiro e chegando ao menor patamar da história recente, abaixo de 10%. As empresas, no entanto, continuam reclamando que as reduções ainda não foram repassadas pelos bancos para a ponta do crédito já que, ao contrário da taxa básica, os juros bancários não estão perto da mínima histórica.

Segundo as companhias, nos últimos meses, especialmente em maio, até houve uma flexibilização maior por parte das instituições financeiras, com queda das taxas bancárias. Mas o patamar ainda estaria longe do ideal e não retomou os níveis pré-crise. "A Selic pode ser de um dígito, mas não sentimos diferença", disse Milton Bogus, diretor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Segundo Bogus, a lucratividade das empresas de pequeno e médio portes se situa na faixa de 7% a 12%, o que é pouco para enfrentar o que ele considera como taxas muito altas. "O empresário paga mais de juros do que pode ter de lucro. Aí cai na inadimplência ou na mortalidade", alerta o dirigente.

De acordo com dados do Banco Central, as principais modalidades de crédito ainda estão acima do patamar pré-crise. No capital de giro prefixado, por exemplo, a taxa média entre os bancos pulou de 33,6% em setembro para 34,6% ao ano agora em abril. O desconto de duplicata passou de 41%, em média, para 45% ao ano.

Nas últimas semanas houve um recuo mais forte, de acordo com dados diários divulgados pelos próprios bancos e publicados no Banco Central. Já é possível verificar queda em quase todas as modalidades para pessoas jurídicas. As maiores reduções aparecem na conta garantida e no desconto de duplicatas.

O Bradesco, por exemplo, reduziu o juro no desconto de duplicata de 50,06% para 46,96% ao ano, entre o fim de abril e o fim de maio. No HSBC, a redução foi de 41,09% para 39,29% ao ano. O Banco do Brasil tem a menor taxa entre os grandes, de 31,37% ao ano. No capital de giro prefixado, o Itaú reduziu os juros de 34,5% para 32,9% ao ano, enquanto a Nossa Caixa trouxe as taxas de 51,2% para 31,7% ao ano.

Na média, no entanto, a alteração ainda não devolveu a forte elevação registrada no fim do ano passado, quando a crise de liquidez se acentuou e os bancos preferiram a retração. O aumento nos últimos meses de 2008 superou os três pontos percentuais, alerta Carlos Alberto dos Santos, diretor do Sebrae.

De acordo com empresários, as operações anteriores à crise que custavam para empresas industriais de médio porte em torno de CDI mais um spread de até 1% ao mês pularam para CDI mais 1,2% ou 1,5% ao mês. Além disso, como existe o viés de baixa na Selic, os bancos estão propondo operações com taxas de juros prefixadas.

Dessa forma, mesmo a Selic estando no patamar mais baixo da história, os juros bancários ainda estão bem acima das mínimas registradas em 2007, época em que a Selic chegou ao patamar de 11,25% ao ano, em setembro.

O capital de giro, por exemplo, já chegou a ter taxa média de 27,9% ao ano, em setembro de 2007. Em abril de 2009 atingiu 34,6%, seis pontos percentuais acima - mesmo com a Selic nos mesmos 11,25% ao ano. No desconto de duplicata essa diferença é de quase 13 pontos percentuais, entre novembro de 2007 e abril deste ano.

A justificativa dos bancos é que o risco ainda impede um recuo maior das taxas, mas a tendência já é de queda tanto das taxas quanto dos spreads - diferença entre o custo de captação dos bancos e as taxas cobradas dos clientes. "Há indicativos de que a inadimplência ainda vai subir um pouco, mas nada explosivo e não devemos ter aumento dos spreads. A tendência é de queda", disse Rubens Sardenberg, economista-chefe da Febraban.

Além da maior restrição no crédito, houve ainda uma redução na oferta de linhas por conta do recuo dos bancos médios, que atendiam essas empresas. Sem o papel ativo dessas instituições, as companhias têm menos opções e a falta de concorrência impede a queda das taxas.

De acordo com dados do BC, os bancos públicos continuam puxando o crédito, com crescimento de 19,5% nas carteiras de crédito entre setembro de 2008 e abril de 2009. Nesse mesmo período, os grandes bancos privados avançaram 11%. O grande recuo se deu justamente entre os bancos médios. A carteira das instituições de médio porte apresentou recuo de 5%, segundo informações divulgadas pelo BC.

A maior parte dessa retração se deveu justamente à crise de liquidez. Estimativa do BC aponta que 19% dos empréstimos no Brasil era composto de crédito internacional ou de crédito doméstico com funding externo, que secou.

Depois da criação do Depósito a Prazo com Garantia Especial (DPGE), os bancos médios estão com a situação da liquidez equacionada e partiram para rever suas estratégias de concessão, com ampliação dos prazos, disse Renato Oliva, da Associação Brasileira de Bancos (ABBC).

Por outro lado, nas concessões para pessoas físicas, o cenário já é menos nebuloso. Até por conta de uma estabilidade nos índices de atrasos, há uma recente retomada da competição entre os bancos, com anúncios de prazos maiores e taxas menores. No financiamento de veículos, por exemplo, muitos bancos voltaram a operar linhas de até 80 meses.

Com essa volta da agressividade, o repasse dos juros na ponta do crédito já é quase total e as taxas bancárias estão próximas das mínimas históricas. Nas concessões para a compra de automóveis, por exemplo, a taxa média está apenas um ponto percentual acima da mínima, registrada em novembro de 2007. No consignado a diferença é de 0,6 ponto percentual.