Título: Mais preparado, Sudeste Asiático já vê saída para crise
Autor: Balfour , Frederik
Fonte: Valor Econômico, 12/06/2009, Especial, p. A10

Recessões econômicas dolorosas não são novidade para o Sudeste da Ásia. A região passou por sua própria crise financeira há mais de uma década, no que hoje parece ter sido um ensaio geral para as turbulências atuais. Companhias deram calote, bancos quebraram, os mercados de ações ficaram paralisados e economias encolheram a taxas de dois dígitos, enquanto os investimentos estrangeiros reduziam-se a um fiapo. Mas, cumprindo o seu dever, o Sudeste da Ásia engoliu a pílula amarga da austeridade, desvalorizando moedas e reduzindo as dívidas, enquanto os bancos se reestruturavam e as empresas colocavam ordem em seus balanços.

Agora, o Sudeste Asiático está sendo golpeado mais uma vez, vítima dos pecados cometidos no outro lado do globo. No quarto trimestre do ano passado as exportações da região despencaram depois que os EUA desmoronaram, seguidos da China. Enquanto isso, os investimentos estrangeiros caíram, uma vez que as multinacionais seguraram os investimentos. "É frustrante estarmos em uma crise que não provocamos", diz o premiê da Tailândia, Abhisit Vejjajiva.

Mesmo assim, esta recessão dificilmente será uma repetição da crise asiática. Isso é uma prova da força surpreendente dos dez países que pertencem à Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean, na sigla em inglês). Os bancos da região estão praticamente livres de ativos tóxicos e não vêm precisando de socorro do governo. Anos de superávits comerciais e taxas elevadas de poupança contribuíram para reservas internacionais recordes. O endividamento - dos governos, corporações e consumidores - é uma fração do registrado nos EUA e na Europa e a inflação e os juros caíram muito.

"É claro que existe uma recessão, mas esses países estão bem preparados para suportar a tempestade", afirma Mark Mobius, presidente da Templeton Emerging Markets Funds. "Eles vêm tendo um desempenho melhor que o dos mercados globais, o que quer dizer que eles vão se sair muito bem." As bolsas de valores dos países da Asean vêm liderando a recuperação das ações nos mercados emergentes, com os índices das bolsas de valores de Jacarta e do Vietnã apresentando recuperação de 70% e 80%, respectivamente, em relação aos pontos mais baixos verificados recentemente.

Algumas companhias que operam na região continuam se saindo bem, uma vez que a demanda por tudo que vai de computadores a passagens aéreas com descontos continua forte. A Unilever Indonesia está vendendo tanto seu creme dental Pepsodent e seu xampu Lifebuouy, além de outros produtos, que a receita do primeiro trimestre cresceu 18% para US$ 412 milhões, alavancando os lucros em 9%, para US$ 70 milhões. "O impacto da crise mundial é mínimo", afirma Franky Jamin, da Unilever Indonesia. E o banco Standard Chartered, que consegue dois terços de suas receitas na Ásia, afirma que os lucros do primeiro trimestre foram os melhores que já teve, indicando que a queda na região será menor e mais curta que em outras partes. A atividade de banco de varejo e os empréstimos a pequenas empresas estão vigorosos, enquanto os financiamentos imobiliários continuam crescendo, segundo Ray Ferguson, o diretor-presidente do banco para o Sudeste Asiático. As execuções de financiamento imobiliário, diz ele, "não são uma característica do mercado".

A força do Sudeste Asiático é um sinal de que a região ainda está no jogo. Ela pode estar meio esquecida por muitos investidores desde a crise, mas seus trabalhadores capacitados, recursos naturais e - pelo menos em alguns países - infraestrutura de primeira fazem valer a pena prestar atenção à região. A Asean tem uma população total de 560 milhões, e seu PIB combinado chega a US$ 1,3 trilhão, maior que o da Índia. Indonésia, Tailândia, Malásia, Filipinas, Vietnã e Cingapura - que respondem por cerca de 95% da economia da região - atraíram quase US$ 50 bilhões em investimentos estrangeiros diretos no ano passado, contra US$ 92 bilhões da China.

A General Electric (GE) já comprometeu mais de US$ 1 bilhão com o Sudeste Asiático nos últimos 18 meses. Esses investimentos incluem ampliação de instalações para manutenção de aviões em Kuala Lumpur e um centro de pesquisas em Cingapura. E em maio, a GE deu início ao seu primeiro projeto no Vietnã, uma fábrica de US$ 61 milhões na cidade portuária de Haiphong para a produção de geradores de turbinas eólicas para exportação. "Queríamos deixar a marca da GE em um país de alto potencial", diz Stuart Dean, presidente da companhia para o Sudeste Asiático.

Isso não quer dizer que a região não representa desafios significativos aos investidores. A burocracia e a corrupção são desenfreadas; a Indonésia está classificada na 126ª posição, de um total de 163 países, no ranking da Transparência Internacional, atrás de Nigéria e Nepal. Com leis nebulosas, o país, rico em ouro e cobre, não atraiu nenhum novo projeto estrangeiro de mineração em uma década. No Vietnã, o trânsito se move em ritmo de tartaruga por ruas e estradas que mal conseguem suportar motocicletas, quanto mais o número crescente de automóveis. E na Tailândia, turistas e investidores andam assustados com a instabilidade política, uma vez que manifestantes contra o governo conseguiram nos últimos meses cancelar uma reunião da Asean e fechar o aeroporto de Bancoc por dias.

Esses problemas, combinados à crise global, estão afetando o crescimento. Cingapura e Tailândia - que dependem das exportações - estão em contração. O Banco de Desenvolvimento Asiático (BDA) prevê que o Vietnã vai crescer 4,5% este ano; a Indonésia, 3,6%; e as Filipinas, 2,5%. São níveis quase de recessão para esses países. E os novos investimentos estrangeiros na Malásia caíram 79% no primeiro trimestre, para US$ 931 milhões, enquanto no Vietnã a queda foi de 71%, para US$ 2,8 bilhões.

Os governos estão lutando para formular planos de estímulo. Na Tailândia, onde a economia poderá encolher até 4% em 2009, as vendas no varejo vêm se segurando graças aos cheques de US$ 58 enviados pelo governo a 10 milhões de trabalhadores de baixa renda, como parte de um pacote de estímulo de US$ 45 bilhões por três anos. A fabricante de chips Intel prevê que os gastos resultantes do plano nas áreas de saúde e educação vão estimular as vendas de computadores que usam seus chips. As vendas de PCs no varejo nas cinco maiores economias da Asean cresceram 17% no primeiro trimestre, sobre o mesmo período de 2008, mais do que o dobro da China, segundo estimativas da consultoria GFK Asia.

A região também está crescendo rapidamente como centro de terceirização. Na cidade filipina de Cebu, aninhada entre colinas de cor esmeralda e recifes de corais reluzentes, o Asiatown IT Park, inaugudado há sete anos, é o lar de uma dúzia de call centers e lojas de terceirização de softwares. "Não é um emprego fácil, mas o salário é muito bom", diz Leyland Canoy, 29, que ganha US$ 470 por mês na companhia local eTelecare, onde ela presta suporte técnico aos clientes da Vonage, uma companhia de telefonia pela internet.

A indústria da terceirização nas Filipinas vem operando há anos, mas agora ela tem grandes planos de abocanhar até 10% do mercado mundial de terceirização da tecnologia da informação (TI). Wipro, Accenture, HSBC e outros vêm abrindo muitos escritórios de apoio administrativo e centros de suporte técnico no país, ajudando a construir um setor em que as receitas somaram US$ 6 bilhões em 2008 e emprega mais de 370 mil pessoas. "Estamos crescendo que é uma loucura", afirma Marife Zamora, presidente nas Filipinas da companhia americana Convergys, que pretende quase sobrar o número de funcionários no país para 20 mil este ano. Líderes do setor acreditam que até 2010 ele estará empregando 900 mil pessoas e gerando receitas de US$ 13 bilhões.

É uma meta ambiciosa, mas o país está apenas começando a se mexer na área de call centers. "Ainda falta conseguir escritórios de apoio administrativo nas áreas financeira e de contabilidade", diz Oscar Sañez, presidente da Business Process Association das Filipinas. A Accenture, que emprega cerca de 16 mil pessoas no país, está ajudando clientes a modernizarem seus sistemas de TI para que eles se enquadrem nas mudanças reguladoras que estão ocorrendo nos EUA, por causa da recessão. JP Morgan Chase, S.C. Johnson & Sons e Siemens estão ampliando seu trabalho de apoio administrativo no país. E a Wipro vai dobrar o número de funcionários nas Filipinas para 1,5 mil até outubro. "Os talentos são muito bons", diz Sanjeev Bhatia, vice-presidente de operações internacionais da Wipro BPO. "Estamos muito otimistas."

Empresas multinacionais ainda vão para o Sudeste Asiático em busca de alternativas de produção à China. A First Solar, de Tempe, Arizona, escolheu Kulim, na Malásia, para construir uma fábrica de US$ 680 milhões para a produção de painéis de energia solar. A fabricante de motocicletas britânica Triumph está construindo uma fábrica de US$ 73 milhões na Tailândia. E a Volkswagen (VW) lança no terceiro trimestre uma joint venture para a produção das minivans Touran na Indonésia.

O Vietnã, porém, é o principal beneficiário do movimento para a diversificação além da China . Sua proximidade com o continente e as tarifas baixas que ele goza no Sudeste da Ásia graças aos acordos comerciais da Asean são grandes incentivos, assim como sua força de trabalho produtiva e a cultura empreendedora. Em abril, a Samsung Electronics abriu uma fábrica de telefones celulares nos arredores de Hanói, um investimento de US$ 50 milhões. A cerca de 1,1 mil quilômetros ao sul, perto da Cidade de Ho Chi Minh, a Jabil Circuit (JBL) está construindo uma fábrica para a produção de placas de circuitos integrados no Saigon Hi-Tech Park, um investimento de US$ 100 milhões.

Ali perto, no local onde já foi uma plantação de arroz, trabalhadores estão construindo uma fábrica da Intel que começará a operar no ano que vem, um investimento de US$ 1 bilhão. "Acreditamos que mais companhias de alta tecnologia vão fazer o mesmo", afirma Rick Howarth, gerente-geral da Intel Products Vietnam. "A crise mundial pode ter afetado a disposição de investir das companhias, mas elas também estão sendo forçadas a olhar para novos mercados em busca de crescimento."

Uma das maiores forças da região é também uma fraqueza: uma dependência crescente das exportações, especialmente para a China. As fábricas que ficam em regiões costeiras do continente usam incontáveis peças fabricadas no Sudeste Asiático, usadas em produtos cujo destino final são EUA e Europa. Quando as exportações chinesas são afetadas, as economias da Asean também sofrem. "[O Sudeste Asiático] é uma região excessivamente dependente em relação à China, que cuida da montagem, enquanto os países da Asean cuidam da produção de componentes", afirma Charles Adams, professor da Lee Kuan Yew School of Public Policy, de Cingapura. "É preciso um maior comércio intrarregional de bens de consumo", conclui.

Há poucos sinais de que o Sudeste Asiático conseguirá se livrar dessa dependência no curto prazo. Os terceirizadores que estão nas Filipinas trabalham principalmente para clientes dos EUA. A Intel pretende exportar a maior parte de sua produção na Cidade de Ho Chi Minh, uma vez que os vietnamitas vão comprar apenas cerca de 3 milhões de computadores este ano, enquanto a fábrica da Intel poderá lançar no mercado centenas de milhões de chips por ano. E a fábrica de US$ 100 milhões da Canon para a fabricação de impressoras a laser, nos arredores da Hanói, a maior que ela tem no mundo, embarca seus produtos para os mercados internacionais.

Um acordo da Asean que siga os acordos de livre comércio na área automobilística firmados na região, poderá ajudar a reduzir a importância da China e do Ocidente. A Ford, por exemplo, envia veículos utilitários esportivos (SUVs) da Tailândia para o Vietnã, Indonésia e Filipinas. O livre comércio "nos dá volume suficiente", afirma David N. Alden, presidente das operações da Ford no Sudeste Asiático. "O mercado da Tailândia sozinho não poderia ter feito daqui uma base de negócios."

A AirAsia, uma companhia aérea de baixos custos da Malásia, sabe o potencial do mercado regional. Em 2001, o empresário Tony Fernandes assumiu uma companhia falida e a relançou com apenas dois aviões que voavam a partir de Kuala Lumpur. Graças à liberalização as viagens aéreas na maior parte da região, Fernandes tem hoje 81 aviões e 122 destinos em 16 países - sempre cidades menores que outras companhias ignoram. Ele espera transportar 24 milhões de passageiros em 2009, um crescimento de 30% sobre o ano passado. "Nos concentramos em construir uma marca na Asean", diz Fernandes. "Vimos uma oportunidade enorme que ninguém estava explorando."