Título: Sustentabilidade em estágio inicial
Autor: Bellotto, Alessandra
Fonte: Valor Econômico, 12/06/2009, EU & Investimentos, p. D1

Os investimentos em ações de empresas sustentáveis atingiram US$ 310 bilhões no ano passado em mercados emergentes, praticamente 10% dos recursos destinados à renda variável na região. É o que revela uma pesquisa da consultoria Mercer realizada com mais de 500 gestores de ações globais e patrocinada pelo IFC, braço do setor privado do Banco Mundial. Do volume total, US$ 52 bilhões estavam em fundos dedicados exclusivamente a buscar companhias comprometidas com as melhores práticas de responsabilidade ambiental, social e de governança corporativa (ESG, na sigla em inglês para Environmental, Social, Corporate Governance).

O grosso do dinheiro - US$ 258 bilhões - estava sob gestão de carteiras globais que incorporam critérios de sustentabilidade nos processos de investimento e aplicam em mercados emergentes como alternativa de diversificação dos ativos, aponta o estudo da Mercer. A pesquisa não revela, entretanto, o quanto desse fluxo veio especificamente para o Brasil, uma vez que os dados não são abertos por país. A América Latina, no entanto, aparece como destino de apenas US$ 5 bilhões. A Ásia lidera a preferência, com pelo menos US$ 18 bilhões em aplicações só de fundos dedicados à região.

O Brasil, contudo, foi um dos quatro mercados escolhidos pelo IFC - ao lado de China, Índia e Coreia do Sul - para ser alvo de uma análise mais profunda de como os gestores de recursos encaram a sustentabilidade empresarial no processo de alocação. Nessa fase da pesquisa, foram entrevistados pessoalmente profissionais de 40 casas de gestão, ou seja, dez de cada um dos quatro países. No mercado brasileiro, conta o responsável pela área de investimentos da Mercer no Brasil, Lauro Araújo, a pesquisa identificou três gestoras locais em que os critérios de sustentabilidade já permeiam todo o processo de seleção de ativos: Santander Asset Management, cuja cultura foi em grande parte herdada do ABN Amro, HSBC Global Asset Management e a gestora independente Rio Bravo Investimentos.

"Essas foram as casas em que percebemos que a cultura do ESG já está incorporada no processo de investimento; são gestores comprometidos com o médio e longo prazos", afirma Araújo. Segundo o consultor, essas três assets olham muito além da governança corporativa das empresas. "O processo de análise leva em conta questões ligadas à responsabilidade social, como satisfação do funcionário, programa de benefícios, disputas trabalhistas", explica. "Além disso, englobam a análise ambiental, ou seja, como as empresas gastam energia, se elas poluem o meio ambiente, se o modelo econômico adotado é viável no futuro, entre outros."

Em geral, destaca o consultor, os gestores de recursos no Brasil estão mais preocupados com a governança corporativa. "Nessa área, em que se analisa a transparência da informação, a relação da empresa com o mercado, as práticas de remuneração de administradores e acionistas, o Brasil está bem desenvolvido", ressalta. Isso é explicado, segundo Araújo, pelo fato de a governança ter um efeito mais imediato no preço da ação da empresa negociada no mercado. Já as questões sociais e ambientais podem trazer implicações para as empresas, positivas ou negativas, porém mais no médio e longo prazo.

A cultura do investimento responsável no país ainda está em estágio inicial, afirma a analista de sustentabilidade do Santander, Eugenia Buosi. Os fundos de sustentabilidade e governança corporativa brasileiros, por exemplo, reúnem cerca de R$ 1,3 bilhão em ativos, menos de 1% do patrimônio alocado em carteiras de ações (R$ 139 bilhões), segundo dados da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid). Desse volume, metade corresponde a carteiras que adotam critérios tanto de governança como de responsabilidade socioambiental na seleção dos papéis. Os demais fundos olham apenas a governança corporativa.

Nos Estados Unidos, compara a analista do Santander, os investimentos denominados socialmente responsáveis (SRI, na sigla em inglês) passaram de US$ 639 bilhões, em 1995, para US$ 2,71 trilhões aplicados em mais de 250 carteiras em 2007, o equivalente a 11% do patrimônio total do setor de fundos de investimento no país, segundo a última pesquisa bianual divulgada pelo Social Investment Forum, entidade americana sem fins lucrativos. O crescimento das carteiras de sustentabilidade nos Estados Unidos nesse período foi de 324%, ante expansão de 260% dos tradicionais fundos mútuos.

No grupo das carteiras de sustentabilidade brasileiras, estão incluídos fundos como o Ethical, o primeiro do mercado lançado pelo então ABN Amro Real em 2001, e o Excelência Social do Itaú, de 2004, que adotam critérios próprios na seleção das empresas. Mas, o grosso do mercado ainda são carteiras que seguem o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), criado em dezembro de 2005 pela Bovespa, num esforço conjunto com entidades como o IFC, Instituto Ethos e o Ministério do Meio Ambiente.

"A maioria terceiriza a análise para o ISE", diz Eugenia. O que, na visão de Araújo, da Mercer, pode não ser uma boa estratégia. "O ISE não é um bom parâmetro, não tem o mesmo rigor e nível de empresas sustentáveis que o fundo Ethical ou Excelência Social", destaca o consultor. Se alguma empresa esquecer de responder o questionário, mesmo que adote as melhoras práticas de sustentabilidade e governança corporativa, vai ficar de fora do ISE, exemplifica. Na análise dos gestores brasileiros, Araújo diz que a consultoria tinha como objetivo principal avaliar se as casas iam além de criar um fundo ISE. "Não queríamos gestores que terceirizam a responsabilidade", afirma.

Pedro Villani, gestor de fundos de ações do Santander, ressalta que, mesmo no levantamento global da Mercer, há profissionais que aplicam apenas um ou dois critérios de sustentabilidade no processo de investimento, enquanto que os mais focados - que levam o selo de "fundo sustentável" - consideram cerca de 50 indicadores na análise. O Ethical, destaca, leva em conta 20 grandes temas, desde a natureza do produto comercializado pela empresa, a relação com o meio ambiente, a gestão de risco, a qualidade de vida dos funcionários e o respeito ao investidor minoritário que vai muito além do que manda a legislação. "Na ampla análise que fazemos, a empresa tem de gerenciar bem muitas coisas para fazer parte da nossa carteira", diz Villani.

Ainda segundo ele, indicadores de curto prazo também contam. "As companhias nas quais investimos apresentam resultados financeiros bons; são líderes em sustentabilidade, mas isso é consequência da boa capacidade gerencial", afirma. "Uma empresa sustentável é reflexo de bons executivos."