Título: Nova estatal para pré-sal deve respeitar premissas
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Fonte: Valor Econômico, 15/06/2009, Opinião, p. A10

Definido o desenho básico do modelo de exploração de petróleo na camada pré-sal, que o governo pretende enviar ao Congresso Nacional em agosto, na forma de três projetos de lei com pedido de urgência constitucional, faltam ainda soluções para diversos desafios que o Brasil precisará encarar para se transformar numa potência energética sem as falhas que brecaram o desenvolvimento de outras nações de riqueza petrolífera.

Alguns desses problemas já se colocam à partir da leitura das medidas antecipadas na edição do Valor do dia 9, como a necessidade de proteger de cobiça partidária a nova empresa estatal que será criada para administrar as reservas do pré-sal; definir bloqueios legais para que os recursos do fundo social, formado com as receitas do petróleo, não sejam objeto de saques discricionários; e preservar o ambiente de competição num regime em que a nova estatal poderá contratar a Petrobras, como operadora de blocos do pré-sal, sem licitação.

Essas são questões bem mais complexas do que a acertada decisão de retirar 41 áreas do leilão de exploração de novos blocos de petróleo realizado em novembro de 2007, dias após o anúncio da descoberta de gigantescas reservas petrolíferas na camada pré-sal. Acertar no novo marco regulatório é uma tarefa mais delicada. O sucesso do regime de concessões para o crescimento da produção desde 1997, quando a Lei do Petróleo quebrou o monopólio da Petrobras, é inegável.

Diante de mudança tão radical de cenário, porém, algumas premissas devem ser respeitadas na elaboração das novas regras. A principal delas é o aumento dos ganhos com o petróleo pelo Estado. Embora restem dúvidas sobre o custo de produção do pré-sal, predomina a certeza de que o risco exploratório tornou-se muito baixo. Com o esgotamento das reservas mundiais já exploradas, é improvável que uma tributação maior afugente investimentos. As multinacionais do petróleo dificilmente trocarão oportunidades de negócios no Brasil por jogadas de alto risco em países africanos, do Oriente Médio ou na Venezuela. Por isso, faz sentido, como sinaliza o governo, não apenas criar o sistema de partilha para os futuros blocos do pré-sal, mas aumentar, numa segunda etapa de definições, o percentual máximo das participações especiais (espécie de royalties cobrados em blocos de alta produtividade) para os campos existentes, que terão preservados seus contratos de concessão.

Outro ponto, sensível politicamente, mas necessário, é a distribuição mais equânime dos royalties gerados pela produção de hidrocarbonetos. Em 2007, o Rio de Janeiro ficou com 86% dos royalties e participações especiais distribuídos aos Estados. Às nove prefeituras fluminenses coube uma fatia de 62% de todo o dinheiro repassado aos municípios. Por mais que seja justo compensar as regiões produtoras pelos danos trazidos junto com a prosperidade petrolífera, tornou-se flagrante a iniquidade dessa situação.

À primeira vista, a decisão do governo de adotar o sistema de partilha da produção, com uma nova estatal para administrar os recursos do pré-sal, e de criar um fundo para investimentos na área social, corrige essas duas distorções. Mas ainda não são convincentes as promessas do governo de que a nova estatal não sofrerá captura política nem se transformará em abrigo partidário de afilhados.

O pré-sal trará uma riqueza inesperada que deve ser convertida, ao máximo, para o bem-estar das gerações futuras. Valerá a pena criar bloqueios legais para o resgate discricionário de recursos pelo governante do momento e para a emissão de títulos públicos lastreados em petróleo do pré-sal, como já foi cogitado.

Preocupa igualmente a ideia de que a nova estatal possa contratar, sem concorrência, a Petrobras como operadora de campos do pré-sal. Uma medida dessa natureza tem o mérito de evitar que a Petrobras, justamente a pioneira na exploração da camada pré-sal, deixe de participar de seu desenvolvimento caso petrolíferas estrangeiras obtenham seguidas vitórias nas licitações.

Além de se esforçar para manter um ambiente convidativo aos investimentos de todas as empresas, convém ao governo lembrar que o espaço para decisões arbitrárias pode sempre abrir caminhos para práticas ilícitas.