Título: Mudança na supervisão dos EUA prevê revisão dos poderes do Fed
Autor: Paletta , Damian
Fonte: Valor Econômico, 15/06/2009, Finanças, p. C10

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, deve propor na quarta-feira a mais abrangente reorganização dos mecanismos de supervisão do mercado financeiro desde os anos 30, uma reforma que vai atingir praticamente todos os cantos do sistema bancário, desde como os créditos imobiliários são concedidos até a maneira como instrumentos financeiros exóticos são negociados.

No âmago do plano está a decisão de rever os poderes do Federal Reserve, o banco central americano, na supervisão das maiores empresas do setor financeiro, dar ao governo o poder de fechar ou desmembrar companhias importantes para o sistema e criar um novo órgão regulador para os produtos financeiros voltados para pessoas físicas, segundo pessoas envolvidas no processo.

O plano não chega a propor a completa consolidação de poder que alguns parlamentares defendiam. Por exemplo, ele permitirá que várias agências continuem a supervisionar os bancos. Também não estabelecerá limites específicos ao tamanho ou escopo das instituições financeiras, mas tornará bem mais difícil para que as grandes companhias fiquem tão alavancadas que ameacem a economia em geral.

Depois que Obama detalhar a proposta, o processo será rapidamente transferido para o Congresso, que deve aprovar a legislação para permitir as reformas. O secretário do Tesouro, Timothy Geithner, deve comparecer a debates no Senado e na Câmara na quinta-feira, onde é provável que enfrente perguntas e críticas.

É provável que os legisladores tenham problemas com várias das questões mais polêmicas do plano, como a maneira de criar um sistema que simplesmente não socorra grandes empresas financeiras quando elas enfrentarem crises. Dar mais poderes ao Fed, depois das críticas recentes quanto ao caráter secreto e ao poder acumulado pela instituição, tanto por membros do Partido Democrata, de situação, como do Republicano, será também proposta polêmica.

Os representantes no Congresso do Partido Democrata podem reivindicar mais poderes de proteção ao consumidor e limites mais rígidos do que o governo quer para a remuneração de executivos. E a redistribuição dos poderes pode provocar disputas entre os órgãos do governo.

Funcionários do governo dizem que a meta é reduzir a probabilidade de a economia voltar a ficar à beira do colapso outra vez dando aos tomadores de decisão mais instrumentos para conter uma crise na próxima vez em que ocorrer.

Eles vislumbram um mercado financeiro menos volátil, no qual os bancos serão encorajados, por causa de exigências de capital, liquidez e alavancagem mais rígidas, a assumir menos riscos que tenham o potencial de desestabilizar a economia. Os fundos de hedge seriam forçados a se registrar no governo e a aceitar supervisão federal. Hipotecas e outros créditos para pessoa física seriam monitorados por um nova agência e haveria regras de transparência de alcance mundial para instrumentos financeiros exóticos.

"Considerações a respeito de estabilidade, segurança e risco sistêmico têm que ser encaradas com mais atenção no planejamento, concepção e definição de estratégias de qualquer instituição financeira do que no passado", disse o diretor do Conselho Econômico Nacional da Casa Branca, Lawrence Summers, sexta-feira.

A proposta não vai eliminar a colcha de retalhos de supervisores estaduais e federais que se sobrepõem e frequentemente entram em conflito quanto a jurisdição. Os críticos dizem que as instituições financeiras têm procurado se submeter ao regulador menos rígido e que os grandes problemas do sistema foram negligenciados.

De fato, a proposta pode levar à extinção de apenas uma agência - o Escritório de Supervisão da Poupança. Com a proposta de uma nova agência de proteção ao consumidor, o número de instituições de supervisão financeira continuará inalterado.

Autoridades dizem que o objetivo é distribuir poder de tal maneira que brechas na supervisão sejam eliminadas e as oportunidades para que a instituição financeira escolha a que regulador se submeter sejam reduzidas.

Autoridades propuseram mudanças abrangentes no mercado financeiro antes, com resultados variados. O ex-secretário do Tesouro Henry Paulson propôs uma reforma da supervisão em março do ano passado, mas o Congresso não levou a proposta em consideração.

Outros esforços tiveram consequências imprevistas. O governo do ex-presidente Bill Clinton conseguiu aprovar com sucesso a legislação que derrubou barreiras criadas durante a Grande Depressão, dos anos 30, para separar bancos comerciais, bancos de investimentos e seguradoras, entre outras coisas. Obama criticou essa legislação, dizendo que ajudou a criar alguns dos monstrengos que ameaçaram a economia.

O governo atual, que fez da reforma a peça central dos primeiros meses no poder, quer acelerar o processo. "A experiência mostra que, passada a crise, o desejo de reforma também passa", disse Summers em seu discurso.

O plano prevê que o Fed supervisione instituições financeiras, produtos ou práticas que possam apresentar risco sistêmico à economia. Também cria um "conselho" de reguladores para monitorar essa área. As autoridades do governo acreditam que esse arranjo evitará que as empresas cresçam demais e se alavanquem além da conta sem a necessária supervisão do governo, como aconteceu, por exemplo, no caso da maior seguradora dos EUA, a AIG.

O Fed provavelmente terá o poder de definir exigências de capital e de liquidez para as maiores empresas financeiras dos EUA e de vasculhar os balanços de um grande número de firmas. Ainda não se sabe exatamente que poderes o banco central terá, e isso provavelmente será um tema polêmico no Congresso.

A forma como o Fed interage com o conselho de reguladores também estará em debate. As autoridade do governo pensam que o conselho será capaz de recomendar que uma determinada empresa, produto ou prática sejam submetidos à supervisão do Fed, com o banco central sendo o responsável final de cada área ou empresa que apresente risco sistêmico. Isso pode gerar atritos entre o Fed e o conselho, especialmente se um deles for mais agressivo que o outro.

O plano dará maiores poderes ao governo para intervir ou fechar um elenco de empresas financeiras, de forma parecida com o que a Federal Deposit Insurance Corp. (FDIC, agência garantidora de depósitos bancários) atualmente faz com bancos em crise. A meta é evitar a repetição de situações similares à da quebra do Lehman Brothers Holdings Inc., em que o governo não tinha autoridade para efetuar um desmonte sem sobressaltos da instituição falida. Um passo como esse deve ser adotado em casos raros, e isso exigiria primeiro a aprovação do Tesouro, do Fed e da FDIC, de acordo com pessoas a par do processo. Uma vez que uma empresa esteja em processo de intervenção, provavelmente a FDIC assumirá o comando. Não se sabe ainda como o programa será financiado.

Em algumas questões mais polêmicas, o governo tentou encontrar um equilíbrio delicado, segundo pessoas a par do processo. Por exemplo, não vai propor a fusão da SEC, a comissão de valores mobiliários, com a Comissão de Negociação de Futuros de Commodities, a CFTC. para não gastar capital político em batalhas que essa mudança poderia provocar no Congresso.

Mas a proposta vai criar mais "harmonização" entre as duas agências. Tem havido tensões de longa data entre elas porque muitas das empresas supervisionadas pela SEC negociam derivatidos e outros produtos regulamentados pela CFTC.

O novo regulador que supervisiona a proteção a pessoas físicas deve incorporar algumas áreas que antes pertenciam ao Fed - como cartões de crédito e hipotecas -, mas não deve supervisionar produtos de investimentos como fundos mútuos, hoje na jurisdição da SEC. Isso é algo que o Congresso pode tentar mudar para dar mais poder à agência.

Obama vai propor que várias exigências sejam adotadas mundialmente, como exigências de capital mais duras para as grandes instituições financeiras e o poder de intervir em grandes bancos interconectados. As autoridades americanas também estão propondo mais transparência para derivativos complexos que são negociados por grandes empresas multinacionais.

"Risco e alavancagem sempre tendem a migrar para onde as barreiras são mais fracas", disse Geithner no sábado, depois de um encontro com os ministros da fazenda do Grupo dos Oito na Itália. "Precisamos de regras uniformes em nível mundial, ou a eficácia de nossas salvaguardas nacionais contra o risco serão minadas."

O presidente da Comissão de Serviços Financeiros da Câmara, o deputado democrata Barney Frank, deve adotar a proposta em breve e pode ter todo o pacote aprovado até agosto. O presidente da Comissão de Bancos do Senado, o também democrata Christopher Dodd, disse que o colegiado pode começar a votar em meados do segundo semestre e completar o processo no fim do ano, o mesmo calendário desejado pelo governo.