Título: Rodada pode levar a perda de empregos em SP e aumento do PIB no Centro-Oeste
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 10/03/2005, Especial, p. A12

A rodada de negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC), que o governo Luiz Inácio Lula da Silva prioriza, poderá ter impacto irrisório na redução da pobreza e na distribuição de renda no Brasil. A constatação é de estudos apresentados pelo Banco Mundial em seminário na OMC, ontem. O cenário de liberalização mais provável na Rodada Doha aponta para queda de atividade em setores industriais de alto valor agregado diante da abertura à concorrência estrangeira. Resultará na perda de empregos qualificados e aumento da pobreza em São Paulo e Rio de Janeiro, as regiões mais industrializadas e populosas do país, além da Zona Franca de Manaus, onde se fabricam produtos eletrônicos.

Em contrapartida, Estados com economia baseada no agronegócio, como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins, colheriam aumento do emprego e do Produto Interno Bruto (PIB). Os benefícios totais da rodada tirariam da linha da pobreza no Brasil não mais de 236 mil pessoas (0,4% do total) no curto prazo, graças à expansão projetada para o setor agrícola, de menor valor agregado. O Banco Mundial tem 18 estudos em fase final sobre o impacto da negociação na OMC sobre a pobreza. O projeto quer identificar se afinal essa negociação merece seu nome de "Rodada do Desenvolvimento", como é oficialmente chamada. "Se não reduz a pobreza, essa rodada é um não-evento", diz Thomas Hertel, consultor do Bird, um dos apresentadores. Os estudos levam em conta dois cenários: o primeiro é o de completa liberalização de tarifas e subsídios, o que está longe da realidade, mas também o que apresentaria os melhores resultados em termos de combate à pobreza. O segundo cenário é considerado mais provável para a negociação, baseado em fórmulas de redução de tarifas e de subsídios maiores para os países industrializados. Na agricultura, os ricos cortariam em 45% as tarifas mais baixas, 70% as médias e 75% as mais altas. As nações emergentes cortariam entre 35% e 60%. Para os produtos industriais, a diminuição seria de 50% nas alíquotas dos ricos e de 33% para os emergentes. Os mais pobres ficariam livres de cortes tarifários. Por sua vez, os subsídios domésticos agrícolas teriam corte de 60% a 75% nos países ricos, e de 40% nos emergentes. Os subsídios à exportação são eliminados. Globalmente, a conclusão é de que o impacto sobre a pobreza é muito reduzido pelas negociações na OMC - a menos que os países aceitassem a liberalização total. No caso do Brasil, estudo feito por Joaquim Bento de Souza Ferreira Filho, da Universidade de São Paulo, e Mark Horridge, da Universidade de Melbourne (Austrália), constata que o beneficio geral será para as famílias mais pobres. Isso porque, nos dois cenários do estudo, os setores em expansão no país são agricultura, alimentos, calçados e móveis. A única exceção é para a indústria de óleos vegetais, que teria contração com plena liberalização. Em contrapartida, é prevista queda na atividade industrial, especialmente nos setores automotivo, máquinas e tratores, materiais elétricos, equipamentos eletrônicos e autopeças, setores onde a concorrência aumentaria. São Paulo, que faz o grosso da produção nacional, sofreria queda de 0,25% do PIB, o desemprego aumentaria 0,21% e o número de pobres cairia 0,72% no curto prazo. No Rio de Janeiro, as quedas seriam de 0,11%, 0,15% e 0,77%, respectivamente. Os Estados que mais se beneficiariam da liberalização são aqueles nos quais a agricultura gera a renda mais importante. É o caso sobretudo do Mato Grosso, grande produtor de soja, com aumento de 1,74% no PIB, 1,5% no emprego e queda de 2,7% na pobreza. A negociação da OMC aumentará os preços agrícolas em relação à indústria. A projeção é de demanda maior de alimentos, principalmente carnes, em todos os cenários de liberalização no resto do mundo. O aumento da produção agrícola impulsionará o preço da terra no Brasil, que poderá ter aumento entre 7,7% a 21% dependendo do resultado das negociações. "No geral, o ganho na agricultura é neutralizado pela perda na indústria, que contrata trabalhadores mais qualificados", diz Joaquim Bento. A linha de pobreza é considerada no estudo um terço da renda média brasileira, ficando assim em cerca de R$ 60. Outro estudo sobre o impacto no Brasil, elaborado por Maurizio Bussolo, Johan Lay e Dominique van der Mendsbrugghe, confirma que a maior parte da redução da pobreza depende da mobilidade, de salários baixos na agricultura para salários mais altos na zona urbana. Ainda assim, os autores concluem que haverá modestos ganhos nessa área para o Brasil. Destacam que reforma comercial apenas é uma peça pequena no quebra-cabeças do combate à pobreza. De maneira geral, os estudos do Bird tendem a conduzir à conclusão de que para gerar redução significativa de pobreza no curto prazo, os países em desenvolvimento deveriam aceitar maior liberalização, até porque seus exportadores enfrentam altas tarifas entre eles do que os exportadores de países ricos no seu comércio.