Título: Australianos temem impacto agrícola
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 10/03/2005, Especial, p. A12

Cada novo estudo traz um alerta adicional sobre riscos embutidos nas negociações da Organização Mundial de Comércio (OMC), inclusive para um exportador agrícola como o Brasil. Esta semana, foi também a vez do Abare, o principal centro de pesquisa agrícola e econômica da Austrália, advertir que as bases do acordo feito em julho do ano passado podem enfraquecer as atuais regras da OMC, em vez de abrir mais o comércio agrícola internacional. Analisando o acordo elaborado pelo Brasil, Estados Unidos, União Européia (UE), Austrália e Índia, que permitiu desbloquear as negociações na OMC, o Abare conclui que a conseqüência pode ser trágica: os Estados Unidos e outros industrializados poderão aumentar os subsídios agrícolas em vez de reduzi-los na atual rodada. O instituto exemplifica que no caso dos Estados Unidos as subvenções podem ser aumentadas para soja, algodão, trigo e arroz, ou seja, produtos de interesse brasileiro. Em julho de 2004, a OMC estava à beira de uma nova crise. O chamado Grupo dos Cinco negociou e conseguiu um acordo aceito por todos os outros países. Os EUA e a UE concordaram em corte de 20% nos subsídios domésticos. Em contrapartida, obtiveram a criação de uma nova "caixa azul", a categoria de subsídios governamentais aos produtores. Como originalmente desenhada, a "caixa azul" está isenta de limites de gastos. Pelo acerto de julho de 2004, no futuro acordo agrícola ela passará a incluir os subsídios que não exigem limite de produção, desde que respeite certos critérios. Com isso, os EUA poderão facilmente transferir para ela pagamentos da "caixa amarela" (subsídios distorcivos à produção e comercialização), que tem estrito compromisso de redução. Na prática, esse acordo acomoda o programa americano de pagamentos contra-cíclicos, pelo qual os agricultores americanos são compensados pela diferença entre os preços globais das commodities e os preços fixados pelo governo. Em contrapartida, os EUA e a UE concordaram em não passar de 5% do valor total da produção agrícola. Mas os cálculos do Abare mostram que em todo caso o acordo enfraquece as regras da OMC. A definição de critérios adicionais para essa categoria de subsídios poderá ser um dos principais motivos de confronto na negociação agrícola nos próximos meses. Até porque o Brasil conseguiu condenar os pagamentos contra-cíclicos para o algodão americano já duas vezes na OMC e tem margem para atacar mais duramente os subsídios. "O acordo que consolidou a nova caixa azul foi uma conquista dos EUA, facilitou a vida deles", reclama Pedro de Camargo Neto, que foi o principal negociador agrícola do país no governo passado. "Esse discurso oficial brasileiro de que a nova caixa azul terá critérios muito específicos é teoria. Se queríamos que os EUA reduzissem os subsídios domésticos, não era então para aprovar a nova caixa. Criá-la e depois sonhar em impor 'critérios' rígidos é difícil." (AM)