Título: Acesso livre é melhor que fim de subsídio
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 10/03/2005, Especial, p. A12

O novo livro do Banco Mundial (Bird) sobre as negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC) chega a uma conclusão surpreendente: 92% da riqueza gerada pela liberalização agrícola nos países em desenvolvimento virá de maior acesso a mercados. O fim de subsídios à exportação e redução de subsídios domésticos representariam apenas 8%. Algumas conclusões contradizem a estratégia atual dos países em desenvolvimento na Rodada Doha. Segundo o livro, do benefício obtido por países em desenvolvimento em aumento de renda (US$ 50 bilhões em dólares de 2001), 92% viriam da abertura de mercados, 6% de corte de subsídio doméstico de países ricos e 2% com o fim dos subsídios à exportação. "Disciplinar os programas de subsídio é importante, mas o acesso a mercado é crucial (...) Os subsídios domésticos e a exportação têm contribuição menor para o aumento da riqueza", diz o capítulo inicial, assinado pelos economistas Will Martin e Kym Anderson. O ganho total estimado com o sucesso da Rodada Doha, que incluiria tanto liberalização agrícola como em outros setores, é de US$ 278 bilhões em aumento de renda mundial. Os ganhos com a liberalização agrícola somariam 62% do total e são cinco vezes maiores do que o que poderá ser obtido com o fim do protecionismo em têxteis e roupas (14%). Outras manufaturas gerariam 24% do ganho. "Agricultural Trade Reform and the Doha Development Agenda" conclui que o ganho será desigual entre países em desenvolvimento - grandes exportadores como Brasil e Argentina serão beneficiados, e alguns países mais pobres da África sairão perdendo, por serem importadores líquidos de alimentos. "A maior parte dos ganhos para os países em desenvolvimento com a liberalização na Rodada Doha irá para os grandes, como Brasil, Argentina e outros latino-americanos, além da Índia, Tailândia, África do Sul (...) O resto da África subsaariana perde", afirma. Os produtos mais beneficiados por mudanças no acesso a mercados seriam cereais, cuja tarifa de importação média no mundo poderia ser reduzida de mais de 40% para 20%, seguidos por açúcar, carne e laticínios. Os países de menor renda só ganhariam proporcionalmente mais que os de renda média (Brasil, Argentina, etc. ) se fossem um grupo separado na negociação e não tivessem que reduzir tarifas. O livro será publicado nos próximos meses pelo Banco Mundial, mas partes do estudo foram distribuídas a diplomatas de vários países. Alguns cálculos provocaram polêmica. Num evento fechado com representantes do Brasil, EUA e União Européia, o estudo foi citado pelos representantes de países desenvolvidos como um argumento contra a longa discussão relativa a subsídios agrícolas. Também foi citado o benefício a "grandes exportadores" no Brasil, em contraposição a perdas para países africanos. Um diplomata brasileiro afirma "estranhar" as conclusões, atribuindo-as principalmente às premissas do modelo econométrico usado pelo Banco Mundial. "O impacto sobre os preços internacionais da eliminação de subsídios é muito maior do que 6%, mas não sei quais são as premissas para chegar a uma estimativa de efeito tão pequeno sobre renda", afirma. Os subsídios anuais computados pela OMC são de cerca de US$ 90 bilhões na União Européia e US$ 20 bilhões nos EUA. "É evidente que a conclusão de que não vale a pena negociar os programas de subsídio beneficia um lado das negociações", diz o diplomata, referindo-se à perspectiva dos EUA, que preferem mais acesso ao mercado europeu do que discutir programas de subsídio. O estudo também coloca em dúvida a eficácia do acordo fechado no ano passado em Genebra para redução de 20% dos subsídios. O banco argumenta que os países ricos estão usando apenas uma parcela do total previsto em subsídios, e que o acordo para redução de 20% acertado em Doha não teria efeito sobre o total atualmente gasto com os programas. Um efeito real seria conseguido com compromisso de redução de 75%. O maior risco à rodada, segundo o Bird, é o de anular os efeitos positivos da liberalização, criando listas de produtos "sensíveis", ainda que pequenas, para os quais a redução de tarifas e abertura de mercado seria menor. "Se os membros sucumbirem à tentação política de colocar limites ao corte de tarifas para os produtos mais sensíveis, a maior parte dos ganhos da Rodada Doha evaporaria." Uma simulação mostra que classificar apenas 2% das tarifas agrícolas de países desenvolvidos como sensíveis resultaria numa redução brusca de 75% dos ganhos de renda mundial. A simulação assumiu que a classificação como "produto sensível" limitaria a uma redução de tarifas máxima a 15%. Se for impossível não incluir produtos sensíveis, afirma o banco, "é crucial impor um teto de tarifa para esses produtos, digamos, de 100%".