Título: Remessas sem escala
Autor: Daniele Camba
Fonte: Valor Econômico, 10/03/2005, EU &, p. D1

As novas regras cambias divulgadas na última sexta-feira reduzem a burocracia e os custos que dificultavam o investimento no exterior dos brasileiros em geral. A grande mudança é que, a partir da próxima segunda-feira, as pessoas físicas poderão mandar recursos para outros países diretamente, apenas fechando câmbio e convertendo os reais em dólares. Hoje, os investidores precisam recorrer à intermediação dos bancos, que usam contas de não-residentes - as chamadas contas CC5 - para transferir os recursos. O nome CC5 vem da carta circular que regulamentou esse tipo de conta. Além de facilitar enormemente as remessas, segundo especialistas ouvidos pelo Valor, as novas regras reduzem quase à metade os custos da operação. E tornam a remessa acessível a um número muito maior de investidores e não apenas aos clientes do segmento private dos bancos, que geralmente possuem um patrimônio superior a R$ 1 milhão. Houve também um aumento da transparência, uma vez que o dinheiro vai direto para a conta do investidor. A regulamentação eliminou ainda alguns pontos nebulosos das regras de transferências, como a permissão de investimentos no exterior. "A resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) acabou com a enorme burocracia para mandar dinheiro para o exterior e deve reduzir as taxas quase proibitivas que os bancos cobram pelo serviço", diz o advogado Roberto Justo, sócio do escritório Choaib, Paiva, Monteiro da Silva e Justo. O primeiro custo que cai é de Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Para mandar o dinheiro para o exterior via CC5, o investidor pagava duas CPMFs - uma quando transferia os recursos para o banco e a outra na conversão dos reais em dólares. Agora, o investidor pagará apenas uma CPMF, quando os reais saem da conta corrente para transformarem-se em dólares no processo de fechamento de câmbio. O outro custo que deve cair significativamente é a tarifa cobrada pelo banco para fechar o câmbio e pelo uso da conta CC5 na transferência do dinheiro para a conta do cliente lá fora. Essas taxas variam de acordo com o volume de recursos enviados e se o dinheiro vai para uma conta da mesma instituição lá fora. Segundo Justo, os bancos cobram pelo uso da CC5 e o fechamento de câmbio em média 2% sobre o total de recursos. Ele acredita que, com a concorrência, esse percentual deve chegar a no máximo 1%, já que os bancos vão cobrar apenas pelo trabalho de fechar câmbio pois os recursos não passarão mais pela CC5. "Os bancos perderam uma receita boa com um serviço simples que era o de emprestar a sua conta de não-residente apenas como veículo para levar os recursos dos clientes para fora", completa Justo. Uma conta simples mostra a economia no bolso do investidor. Pelo modelo antigo, usando a CC5 do banco, se o investidor remetesse para o exterior US$ 100 mil, por exemplo, que pelo fechamento do dólar Ptax de terça-feira representaria R$ 269,340 mil, depois de pagar duas CPMFs e 2% de taxas ao banco, chegaria no exterior com US$ 97.256,62. Pelo novo processo - pagando uma CPMF e 1% para o fechamento do câmbio - teria US$ 98.623,80. Justo lembra que quanto maior for a remessa de dinheiro, maior será a economia do investidor com as novas regras cambiais. O advogado especialista em investimento estrangeiro, Fábio Appendino, sócio do escritório Pompeu Longo Kignel Cipullo Advogados, afirma que muito mais que o custo da CC5 - que alguns bancos até nem cobravam dependendo do nível de relacionamento com o cliente -, a unificação do câmbio com as novas regras vai resultar em mais economia para o investidor. A transformação de reais em dólares na remessa de recursos via CC5 era feita pelo câmbio flutuante, com cotação do dólar mais alta. Com o câmbio unificado, segundo Appendino, o preço da moeda deve ficar muito mais próximo da média do dólar comercial, que é o mais baixo. "A grande economia deve ocorrer no câmbio", diz o advogado. Além de mais barato, o novo processo para mandar recursos para fora é indiscutivelmente mais simples e transparente. Pela CC5, o cliente transfere os recursos para o banco. O dinheiro vai então para a conta de não-residente da instituição no Brasil. Em seguida o banco compra dólares no mercado para transformar os reais do cliente em moeda americana. Por fim, esses dólares são creditados na conta corrente que o investidor possui fora do país. No novo modelo, o investidor vai apenas transformar seus reais em dólares em um banco ou corretora autorizados pelo Banco Central em fechar câmbio. Em seguida, deposita o dinheiro na sua conta corrente no exterior. O número de bancos operando com remessas também deve crescer. Como a CC5 ficou estigmatizada como o principal veículo para remessa de recursos pelo mercado de dólar paralelo sem declarar impostos e até para lavagem de dinheiro, poucos bancos nos últimos tempos aceitavam usar essas contas para enviar recursos. E quem fazia, pedia um calhamaço de documentos, no caso de ser interpelado pela Receita Federal ou pelo próprio Banco Central sobre a origem dos recursos e idoneidade de quem enviava. O especialista na área internacional do escritório Noronha Advogados, Alexei Bonamim, lembra que o cliente precisava mandar uma carta ao banco comunicando o depósito de recursos na conta da instituição e solicitando a transformação em dólares e, em seguida, o crédito em sua conta no exterior. O depósito na conta do banco aqui tinha de ser feito por meio de uma espécie de cheque especial administrativo. Segundo Bonamim, além da imagem arranhada da CC5, o caminho era tortuoso porque a conta era uma maneira improvisada de brasileiros mandarem dinheiro para fora. "A possibilidade do investidor fechar câmbio sozinho e mandar os recursos para a sua conta no exterior vem corrigir essa anomalia", diz. As CC5 surgiram em 1969 como uma exceção para empresas e brasileiros no exterior receberem recursos do país em uma época de fortes controles cambiais. Estudantes, exportadores em geral podiam abrir a conta. Para mandar dinheiro para o exterior, a pessoa podia ter sua própria CC5, mas o processo foi ficando cada vez mais restrito. "Para abrir uma conta era preciso ter a autorização do presidente do banco", diz Appendino. O BC também está muito rigoroso para liberar contas CC5 aos bancos. Há um consenso entre os especialistas ouvidos pelo Valor de que a simplificação no processo de envio de recursos vai aumentar a concorrência entre bancos e corretoras. "Mandar dinheiro para outro país vai se transformar em uma operação simples, assim como comprar 'travellers cheques'", diz Luiz Roberto de Assis, sócio do escritório Levy e Salomão Advogados. Alguns clientes também desistiam de usar a CC5 por receio de que suas operações fossem vistas pela Receita ou pelo BC como ilegais. "Investir no exterior ficou atraente muito mais pela segurança jurídica do que por custos menores", diz Appendino. As regras eram tão vagas que, lembra o advogado, em uma ocasião um cliente tentou trazer recursos para o Brasil e o BC proibiu com o argumento de que o formato da operação não constava nas regras cambiais. "O BC passou a fiscalizar de forma inteligente, enxergando diretamente quem fechou câmbio e não pelo filtro da CC5 dos bancos", diz Assis, do Levy. As novas regras também acabam com a dúvida sobre se é legal investir o dinheiro enviado ao exterior em ações, títulos públicos e privados. Segundo Appendino, o artigo 11 º da Resolução do CMN deixa claro que é permitido a aplicação desses recursos. A legislação ainda em vigor fala que o dinheiro deve ser enviado para disponibilidade no exterior de curto prazo, o que era interpretado como depósito à vista. Ainda na linha da transparência, a partir de hoje começa o prazo para a declaração de bens no exterior no site do BC, que vai até o dia 31 de maio.