Título: Diferenças dificultam um acordo entre os Bric
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Fonte: Valor Econômico, 16/06/2009, Internacional, p. A9

A primeira cúpula do Bric será realizada hoje em Ecaterimburgo, na Rússia. O quarteto é quase certamente o primeiro bloco multilateral de países criado pelos analistas de pesquisa de um banco de investimentos e por sua equipe de vendas.

Jim O´Neill, economista-chefe do Goldman Sachs, cunhou o acrônimo em 2001 para designar as maiores economias em desenvolvimento do mundo - Brasil, Rússia, Índia e China - e explicar como elas iriam influenciar a globalização nos 50 anos seguintes, quando previu que esses países viriam a dominar a economia mundial.

A principal, entre suas conclusões, foi de que no início deste século já não é possível referir-se à economia mundial citando apenas as grandes economias avançadas. Igualmente, ainda segundo O´Neill, questões de política mundial, como moedas, desequilíbrios comerciais ou mudanças climáticas, não podem continuar a ser costuradas em negociações com a participação restringida ao Grupo dos Oito (G-8), que inclui Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Canadá e Rússia.

A ascensão das economias do Bric é evidenciada pelo fato de terem dobrado sua participação na produção mundial: superior a 15% em 2008, em comparação com 7,5% uma década antes (a taxas de câmbio de mercado). Suas participações em termos de população e superfície terrestre são ainda maiores, levando O´Neill a ter dito, mais recentemente, que cunhou o acrônimo Bric porque os países hoje "fazem parte do "tijolo" (bric, em inglês) da moderna economia mundial".

Mas é discutível se os países do Bric têm algo mais em comum do que sua dimensão e potencial econômico. As estruturas das quatro economias são muito distintas: o Brasil é especializado em agricultura, a Rússia em commodities, a Índia em serviços e a China em manufatura. A experiência dos países com a recessão mundial foi igualmente diversificada.

A despeito das diferenças, o Ministério de Relações Exteriores russo esperava que, de todo modo, a cúpula "produzisse um impacto substancial na discussão internacional sobre maneiras de controlar as consequências da crise econômica mundial".

Todos os quatro concordam em que os EUA não deveriam ser tão dominantes na economia mundial. "O fator coesivo é um interesse comum de promover mudanças no cenário mundial", afirmou Roberto Jaguaribe, negociador-chefe brasileiro para o encontro. "O grupo do Bric cria um espaço que fomenta a importância de cada um de seus membros".

David Zweig, diretor do Centro sobre Relações Transnacionais da China, na Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong, diz: "A China quer minar a hegemonia americana no mundo mediante a criação de algum tipo de poder multilateral sério, capaz de contestar o predomínio americano... A China também quer remover a Índia da esfera de influência dos EUA".

Nesse aspecto, o Bric exigirá cobrará maior influência no Fundo Monetário Internacional (FMI), especialmente nas negociações que se aproximam sobre a distribuição do poder de voto.

"Estamos reivindicando um aumento na voz e representação das economias emergentes" em instituições financeiras internacionais, como o FMI, disse He Yafei, um dos vice-ministros de Relações Exteriores chineses, em entrevista na semana passada.

Mas as tensões entre os países do Bric, que quase certamente serão varridas para baixo do tapete nessa cúpula, provavelmente vão impedir que a reunião produza acordos substantivos.

Disputas comerciais têm sido comuns entre os quatro. O Brasil teve disputas sobre acesso a mercado tanto com a Rússia como com a China, e sua estratégia de buscar liberalização total do comércio agrícola nas negociações comerciais de Doha bateu de frente contra a insistência indiana em proteção para seus produtores agrícolas, como os de arroz.

Índia e China cobiçam os recursos naturais russos, particularmente seu petróleo e gás. Como velha amiga de Moscou, Nova Déli teve algum sucesso limitado no acesso às reservas energéticas russas, mas a China tem maior poder de compra.

Também a política separa os membros do Bric, quase tanto quanto os une. Índia, China e Rússia estão na mesma vizinhança, a Ásia, e são potências nucleares. Já o Brasil, que não é uma potência nuclear, fica em outro continente e tem pouco comércio seja com a Rússia que com a Índia.

Por outro lado, grande parte da fronteira extremamente militarizada entre a China e a Índia continua sendo disputada, e os dois países partes travaram diversas guerras por esse território. A China e a Rússia travaram diversas guerras por fronteiras - até mesmo na recente década de 60 - e há décadas têm um convívio conflituoso.

Acadêmicos e autoridades governamentais chinesas, bem como o público em geral, acreditam que a China está muito à frente de outros membros desse bloco artificial de países.

"O Bric não tem futuro... acredito que continuará sendo um clube informal em sua forma e essência", diz Ievgeni Iasin, diretor de pesquisas na Escola Superior Russa de Economia.